terça-feira, 22 de abril de 2025

O Corpo Humano na Pós-Modernidade: ou o crescimento pelo avesso



  Por Natan Costa Rodrigues

 

O propósito desta breve reflexão é a discussão em torno do corpo humano na era dita pós-moderna. O fato, que salta aos olhos, é que esse corpo está constantemente à mostra e se mostra cada vez mais. Esse movimento é ostensivo e constante. Não importa para onde se lançam os olhos, quase sempre algum corpo estará à mostra, realçando, por meio das vestes, as suas formas naturais. Eis o fato. Agora passemos a meditar no significado disto, isto é, no significado do corpo dentro desse contexto presente na atual sociedade.


I - Breve panorama evolutivo

A primeira coisa que prontamente observamos, é uma mudança na forma como o corpo é exposto. Nas sociedades primitivas e tribais, dadas as circunstâncias, ele não era tão coberto. Obviamente, esse quadro sofreu variações conforme o exigisse a geografia, o clima envolvido, e determinados fatores socioculturais emergentes. Após esse período inicial, desenvolveram-se algumas tradições e instituições humanas que influenciaram as vestes das sociedades mais civilizadas: as roupas passaram a cobrir quase todo o corpo, e indicavam, em algumas situações, certa dignidade especial conferida a quem as utilizasse: honrarias, cargos, riquezas, etc.  Lado outro, certas vestes serviam de estigma da pobreza, classe social e indignidade. Esse padrão perpassou por toda a história e chega até os dias atuais.

No que tange ao corpo em si, em algumas culturas, era tido como algo impuro e imundo. Daí, talvez, a necessidade de o cobrir. De fato, a vestimenta traz em si o senso de uma certa vergonha com relação aquilo que se pretende esconder. Nas sociedades mais civilizadas, essa vergonha é fugidia, pois as vestes não possuem somente a intenção de esconder alguma coisa do corpo, como também a intenção de o redimir e dignificar em alguma medida.

De todo modo, aí se estabelece uma funcionalidade para as vestes e adereços, isto é, que com o surgimento da hierarquia social, e das diferentes funções, elas foram se alterando conforme cada funcionalidade, ganhando, desse modo, um significado distinto da mera ocultação do corpo.

À luz do exposto, é certo fixar que a tendência, ao menos até o século XIX, foi de cobrir e vestir os corpos. Gradualmente, no entanto, ao longo dos últimos dois séculos, eles foram gradativamente descobertos, como em um processo inverso ao que houve no princípio.


II - O corpo humano e o Cristianismo

Ora, o desnudamento do corpo, envolve, por certo, a noção contrária à de o cobrir: se ele é coberto devido a um peculiar senso de vergonha, então o seu descobrimento, remete a perda dessa vergonha. Mas se se perde a vergonha, então com ela se vai a antiga concepção de vestimenta que a acompanhava. As roupas ganharam outra funcionalidade: não mais exprimem a dignidade do corpo, mas, ostentam as suas propriedades e formas naturais.

O ser humano atual tomou consciência das propriedades e formas da sua carne. Na cultura pós-moderna, o corpo já não é visto como algo impuro, já não é uma prisão da alma e do espírito; ele é tomado como constituinte da própria personalidade, como algo integrante da própria pessoa. O movimento atual se dá ao avesso daquilo que, em algumas culturas, se tornou preponderante, isto é, que a superação do corpo, mais precisamente da carne, se coloca como condição para a santificação, ou consiste no próprio processo da santificação.

Não é menos verdade, entretanto, que a atual valorização do corpo físico guarda raízes na própria civilização cristã, onde ele foi resgatado de sua condição impura que gozava no gnosticismo e em alguns departamentos da filosofia grega. O cristianismo apresentou um homem tricotômico, formado de corpo, alma e espírito e, cuja realização plena, envolve a harmonização e a santificação dessas três partes.

O movimento atual, por outro lado, é muito distinto dessa visão cristã; pode-se mesmo dizer que é o seu contrário. Na atual percepção do corpo, ele deve ser exposto, deve se mostrar e aparecer. Tal exibição não provoca dor e nem vergonha. No cristianismo tradicional, o corpo é encoberto por conta da existência de uma plêiade de valores, dentre eles sobressai a castidade, o pudor e o fato do homem ter sido feito à imagem e semelhança de Deus. Há no cristianismo ortodoxo, uma espécie de sacralidade do corpo, pelo qual ele deve ser guardado e respeitado, e esse senso de santidade do corpo está ausente na pós-modernidade. Nesta, a santidade foi substituída por um senso de propriedade sobre o próprio corpo, em que ele se torna uma ferramenta para se alcançar os interesses exigidos pela sociedade.


III - Corpo humano e Pós-modernidade

O ser humano pós-moderno é movido pelo corpo e pela exposição corporal. Ele não é moldado por valores atemporais ou eternos, mas há nele uma certa axiologia corporal, no sentido de que o seu próprio corpo se transmudou na face visível pela qual ele mostra os seus valores. Dito de outro modo, os seus valores mais excelentes se mostram por meio da mostração do seu corpo.

Se uma pessoa qualquer exibe as suas formas, está mostrando, com isto, os valores que lhe são superiores: o empoderamento, o senso de fortaleza, a beleza, etc. Eis o curioso fenômeno: ou os valores que outrora eram considerados superiores já não existem, ou a nossa sociedade considera como superiores, outros valores e ela os exibe, não por meio do intelecto, mas por meio da exibição do corpo. Desse modo, as pessoas se sentem mais inteligentes, bonitas, e importantes, portanto, virtuosas, quanto mais exibem os seus corpos, quanto mais mostram os seus dotes corporais.

De fato, atualmente o corpo, em muitas situações, define os outros aspectos do indivíduo: ele parece englobar a substância da moralidade e a própria imagem que o indivíduo tem de si. O indivíduo compensa os seus haveres perfeitamente no seu próprio corpo. Na prática, o ser humano, está resolvendo os seus dilemas, os seus conflitos existenciais, por meio da exposição corporal. Atualmente, ele soluciona as suas crises interiores e espirituais, por meio de uma afirmação do próprio corpo.

Com efeito, problemas que antigamente exigiam um subjugar ascético do corpo e laboriosos estudos de natureza moral e intelectual, são atualmente resolvidos por meio da afirmação do corpo, da ostentação de suas partes e da sua sensualidade. O ser humano está vivendo em um tempo em que a dimensão corporal é crescentemente valorizada, ao tempo que ofusca partes mais nobres, como o coração. Não é exagero dizer que estamos vivenciando uma animalização do ser humano. Nesse processo ele perde substância ontológica, espiritual e intelectual.

Mas, o mais grave em tudo isto, é que esse comportamento sensual e exibicionista do corpo, não seja defendido pelas classes iletradas e pobres da população, mas ao contrário, seja abertamente defendido e incentivado pelas elites, ditas intelectuais, por professores e por militantes.

São pessoas formadoras de opinião que estão defendendo a sensualização precoce; são cientistas sociais e especialistas que defendem a nudez explícita e a pornografia como ferramentas de crescimento pessoal; que defendem o sexo livre e a depravação do ser humano como estratégias de libertação. A sensualização do corpo encontra em nossos dias uma defesa teórica, uma defesa pretensamente científica, para se mostrar, para se fazer presente na sociedade e para ser imposta por meios supostamente legítimos.


IV - Conclusão

É óbvio que estamos vivendo um quadro grave. E este não aparece emergindo das periferias da sociedade, em locais separados e marginalizados, mas surge no centro das instituições da vida social, como algo essencial para a construção de um novo mundo, e uma nova sociedade. Já não se trata mais de algo que é promovido para corromper as pessoas, mas de algo cujo objetivo é o crescimento das pessoas. A sensualidade do corpo, o seu desnudamento, agora são consideradas ferramentas de desenvolvimento pessoal e de ascensão social.

Eis o cruel diagnóstico. A cura para a doença, continua sendo a sabedoria de Deus revelada na pregação do Evangelho, o qual não é uma teoria, mas o poder de Deus para a salvação do homem caído. Com efeito, onde abundou o pecado, superabundou a Graça divina. É necessário, portanto, pregar a verdade; salvar pela Graça e educar pela Palavra. Somente a sabedoria divina em Cristo pode tomar forma no mundo, mudando a cultura hedonista que grassa na sociedade atual.


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