INTRODUÇÃO
➡  A exegese bíblica é uma tarefa sine qua non
para todos aqueles que interpretam as Escrituras. Por conseguinte, o termo
“exegese” deriva-se da palavra gr. exegesis, que significa: “exposição”,
“explicação” ou “interpretação” de um texto (Jo 1.18). Por sua vez, o prefixo
ex (‘fora de, ou para fora de’) refere-se à ideia lde que o intérprete está
tentando derivar seu entendimento bíblico extraído do próprio texto (e não
acrescentando).
➡ Portanto, a tarefa exegética
consiste em ser uma análise crítica, histórica, literária e teológica dos
significados de cada palavra existente em um texto completo ou em perícopes
(partes) das Escrituras. Conforme Michael Gorman, exegese é:
“Uma investigação das muitas dimensões, ou tramas, de um texto particular”.
Em outras palavras, ele define a exegese como uma uma
“leitura acadêmica” de um texto.
I- A ABORDAGEM EXEGÉTICA É SINCRÔNICA
➡ Uma das tarefas da exegese é
chamada de: interpretação sincrônica (‘mesmo tempo’), ou seja, a exegese visa
em fazer uma interpretação textual baseada naquilo que o escritor escreveu para
a sua época (leitura histórica do texto).
➡ O enfoque sincrônico usa
métodos designados para analisar o texto tanto por si mesmo quanto em relação
ao contexto do mundo em que foi concebido em sua forma original. Por isso, a
exegese bíblica, deve se desprender a priori dos conceitos sistemáticos ou
confessionais em um texto. Logo, a exegese não está interessada na “visão
ampla” ou “pré-histórica” do texto.
II- A ABORDAGEM EXEGÉTICA É DIACRÔNICA
➡ Além da exegese ser uma tarefa
sincrônica (‘o que o autor quis dizer na época’), ela também é diacrônica
(‘como o que autor escreveu pode ser interpretado a nós?’). Pois a abordagem
diacrônica trabalha a origem e desenvolvimento de um texto. Em outras palavras,
a abordagem diacrônica leva o intérprete a entender as mudanças linguísticas de
um texto até chegar a nossa tradução.
III- OS PERIGOS DA IGNORÂNCIA EXEGÉTICA
➡ De acordo com o livro “Os perigos da interpretação bíblica” do teólogo canadense Donald Arthur Carson, mais conhecido como D.A. Carson, a falta de conhecimento exegético ou uma exegese errada, pode levar um intérprete a cometer falácias, ou seja, equívocos interpretativos.
➡ Dentro deste aspecto, encontramos o erro de definir o significado de palavras “isolando os radicais” (prefixos e sufixos). Esta prática é um dos erros mais comuns entres os professores e pregadores. Pois se baseiam que toda palavra deve ser definida a partir das “raízes etimológicas”. Porém, nem sempre isto é verdade. Temos por exemplo, algumas palavras famosas que foram definidas pelas suas raízes etimológicas, tais como:
➡ “Apóstolo” vem do gr.άπόστολος, e muitos a definiram como “o enviado?”. Esta definição “o enviado”, se deu pelo fato de απόστολος (‘apóstolo) ter a raíz etimológica em άποστέλλο (‘eu envio). Sendo assim, muitos deram o significado de apóstolo como “o enviado?”. Todavia, isto não é correto! Pois o foco da palavra grega não está no ato de enviar, mas, sim, em um representante oficial de uma autoridade, ou seja, um emissário ou um embaixador.
Hyperetes (ministros)
➡ Outro exemplo, encontramos em (1Co 4.1). O vocábulo “ministros” vem da palavra gr.ύπηρέτας — huperētes. Por sua vez, a expressão grega huperētes vem do verbo gr.έρέσσο — érēsso, que significa “remar”. Por isso, muitos intérpretes definiram a palavra “ministros” em (1Co 4.1) como “remadores”. Porém, isto é uma falácia vocabular! Pois Paulo não tinha em mente um “remador”. Haja vista, na literatura clássica do N.T, huperētes nunca foi ligado a um “remador”, mas sim a “servos”. Então, neste sentido, ministros neste texto é um termo equivalente a diakonos (servo).
➡ Outro exemplo é Ekklēsia, e este é o mais “clássico” entre eles. Aprendemos a vida toda que Ekklēsia significa “chamados para fora?”. Isso se deu pelo fato de que alguns intérpretes isolaram o prefixo “Ek” (‘para fora’) e klesia de kaleo (‘chamar’). Todavia, esta não é a interpretação correta do vocábulo. O termo Igreja — Ekklesia, simplesmente quer dizer “reunião” ou uma “assembleia”. Esse é o sentido original da palavra. Este termo já era usado no séc.IV a.C.
Falácia do anacronismo semântico
➡ Esta falácia ocorre quando um significado mais recente de uma certa palavra é “transportado” para a literatura antiga.
Por exemplo, em (At 1.8), temos a palavra gr.dynamis. Por
sua vez, muitos linkaram a palavra dinamite a dynamis, pois a palavra dinamite
deriva etimologicamente da palavra gr.δύναμις — dynamis. Sendo assim, alguns
pregadores interpretam (At 1.8) como se os apóstolos fossem receber a “dinamite
do Espírito Santo”. Entretanto, indubitavelmente, Lucas sequer pensou em
dinamite quando escreveu este texto. Pois há uma distância histórica e
linguística muito grande da existência da dinamite.
➡ Todavia, a expressão dynamis neste texto, se refere à força ou capacitação que o Espírito Santo daria para a Igreja fazer missões. Em outras palavras, o dynamis seria a força motriz da Igreja.
IV- A TAREFA DO EXEGETA
➡ É, pois, tarefa do exegeta lançar mão de todos os recursos da exegese para investigar de forma científica e minuciosa o texto das Sagradas Escrituras. Para daí tirar a genuína verdade, o “genuíno leite espiritual” (IPd 2.2). Todo exegeta haverá de buscar subsídio (auxílio) em muitas outras ciências, tendo como propósito elucidar ou dirimir os problemas de textos em questão. Tais ciências lhe fornecerão luzes importantes à interpretação textual.
➡ Pois é a mãe, por excelência da Exegese, pois, ela a torna necessária, não há exegese se não houver aspiração hermenêutica. Pois é a hermenêutica que vai nos dar os princípios de interpretação, ou seja as regras a serem seguidas, enquanto a exegese será a prática destas regras no texto. Em suma, a hermenêutica estabelece a regras de interpretação, enquanto a exegese realiza na prática a interpretação.
O pensamento do texto é expresso por palavras, daí a sua relação com a gramática (morfologia, substantivo, verbo, pronome, advérbio, artigo etc.) e (sintaxe, sujeito, predicado, objeto direto, objeto indireto) o intérprete das Escrituras deve conhecer as gramáticas das línguas originais (hebraico,Page Kelley e grego Antônio Renato Gusso)) e deve ter também certo domínio da sua língua vernacular.
A lógica é a ciência do correto pensar. O exegeta precisa ter pensamentos bem ordenados e lógicos. Ele deve saber o que é uma inferência bíblica. Por ex. (Gn 3.22) e (Mt 24.36)
➡ É a geografia que estuda a topografia da Palestina e de todo o mundo bíblico; cidades, habitantes, planícies, montanhas, rios mares e desertos e regiões em redor, bem como, a sua numismática, produtos agrícolas, minerais, etc. Por ex. (Mt 16.13).
➡ Conhecer as relações entre o povo escolhido e as nações vizinhas, especialmente as grandes monarquias como: Egito, Assíria, Caldéia, Babilônia, Média, Pérsia, Grécia, Macedônia e Roma. É necessário, especialmente, conhecer a história e cultura dos hebreus, como por exemplo: seus usos e costumes, suas instituições civis, seus ritos e cerimônias religiosas, etc. (Dn 2.31-35)
➡ A cronologia bíblica abrange questões difíceis e complicadas. Seu conhecimento é necessário para uma boa interpretação.
➡ É necessário conhecimento das línguas originais (hebraico, aramaico e grego), para uma correta exegese. Um domínio fundamental seria a capacidade de ler e um conhecimento geral das gramáticas; levando-se em conta o uso de ferramentas voltadas para o uso acadêmico da Bíblia.
➡ O TANAKH foi escrito em hebraico com alguns textos em aramaico (Ed 4.8-6, 18), (Ed 7.12-26) e (Dn 2.4-7, 28). O hebraico usado para o tanakh foi o hebraico amikra. Que por sua vez, é o hebraico mais antigo 3.000 a.C. Durante o cativeiro babilônico e após o retorno dos judeus para reconstruir Jerusalém no 445 a.C, ou seja, na época de Neemias, o hebraico era conhecido como hebraico razal. Nesta época, o aramaico já era a língua mais falada, por isto, alguns textos de Esdras foram escritos em aramaico. Nesta época, traduziram a Bíblia hebraica para o aramaico. Esta tradução é conhecida como Talmud que significa “ensino”.
Durante o período interbíblico, o hebraico era conhecido como iebei abenāym. Nesta época, apenas os rabinos tinham conhecimento do Hebraico antigo. O Hebraico havia se tornado uma lashon hakodesh “língua sagrada”. O Hebraico moderno de hoje, é conhecido como ivrit hadasha “novo hebraico”.
Arqueologia
➡ A arqueologia bíblica é
importantíssima, principalmente, a partir do século XVIII, quando descobertas
importantes no campo da arqueologia vêm incidir luz sobre o texto bíblico,
principalmente, sobre o texto veterotestamentário, como por exemplo, os MM (Manuscritos
do Mar Morto). 
V- MÉTODOS PARA EXTRAIR E APLICAR O SIGNIFICADO CORRETO DO TEXTO
1°Escolha do Texto 
Por uma questão óbvia, esse deve ser o primeiro passo, pois, a feitura exegética pressupõe a existência de um texto bíblico. É possível se fazer exegese de qualquer texto, mas, a exegese pressupõe que o texto deva apresentar alguma dificuldade. Às vezes, esta dificuldade não é aparente na versão, mas, no texto original sim.
 2° Delimitação da
perícope 
➡ A delimitação da perícope — do verbo gr.perikopto “cortar ao redor”, se dá mediante o estabelecimento do contexto próximo anterior e próximo posterior (remoto e imediato), isolando-se assim a perícope completa a ser estudada. Deve-se observar o conteúdo do texto, verificando-se: o início e fim do assunto tratado na perícope. Por ex. (Lc 15.11-32) “A parábola do Filho pródigo” faz parte da última seção da parte das parábolas das perdas. Obs. em (Lc 15.8) “se perde uma”
3° Sitz im leben (expressão alemã para ‘pano de fundo’)
“Zits im Lêban”
➡ Como nomeamos o levantamento da situação textual, seu pano de fundo histórico, político, social e religioso. Por ex. (Is 6)
4° Autoria
É preciso apresentar o autor e todas as nuances possíveis que envolvam a sua personagem. Aspectos, idade, situação cível, moral, religiosa, formação cultural, etc. (Rm 16.22) e (I Pe 5.12). Por ex. “As cartas de prisão”
5° Datação
Diz respeito à época, não basta dizer o ano, mas todas as circunstâncias que envolviam o profeta no seu contexto. Por ex. Daniel e o cativeiro babilônico no séc.6 a.C.
6° Destinatários
É importante estabelecer os destinatários do escrito alvo. Não basta apenas dizer a quem, mas, descrever o indivíduo ou indivíduos ou povo a quem se dirige. Por ex. Os destinatários dos evangelhos.
7° Razão ou motivo
➡ É preciso levantar o motivo ou motivos que levaram o autor a escrever. Tais motivos podem possuir várias nuances, como: do ponto de vista do destinatário, do ponto de vista da situação circundante, do ponto de vista do próprio autor. (Propósito). Por ex. Aos Coríntios, o apóstolo Paulo escreveu para tratar de assuntos pessoais da Igreja. Já aos Tessalonicenses, Paulo escreveu para tratar assuntos doutrinários. Em ITm, Paulo escreve para orientar Timóteo sobre como liderar uma igreja local. Já em 2Tm, Paulo o orienta ele a perseverar na doutrina diante dos falsos mestres.
8° Métrica (extrutura) do texto
Em caso de textos poéticos, onde o texto em língua original
não apresenta uma métrica (estrutura), é interessante se fazer a medida do
texto em análise. Isso, além de melhorar a visão do exegeta sobre o texto, dá
elegância e estilo ao trabalho. Paralelismos: 
Sinonímico (repetição da mesma idéia com palavras diferentes) ex. (SL 15.1) e (Sl 19.2).
Antitético (é uma comparação entre um contraste de ideias ou ações). Por ex. (Sl 1.6), (Pv 14.28) e (Pv 14.34).
9° Análise morfológica do texto
➡ A análise gramatical é muito importante, é preciso observar a força de cada palavra do texto, aí entram os conhecimentos gramaticais das línguas hebraica, aramaica e grega para uma boa análise do texto. Por ex. (Sl 23.1) Adonai Roí lo ekhsar “O Senhor é meu Pastor, não me faltará”.
10° Tradução do texto 
O exegeta deve traduzir o texto diretamente do texto em língua original, para evitar os erros das versões – TRADUTORE TRAITORE (O tradutor é traído – Lutero). Para isto, é necessário ter várias traduções e compará-las.
11° Análise lexicográfica do texto
É preciso observar os diversos usos dos termos (polissemia). Por ex. A palavra “graça”, bem como a sua semiologia, ou seja, como a linguagem é formada para transmitir significado. Por ex. (I Sm 24.3) “cobrir os pés” e em (At 26.14) e Nesse momento busca-se a melhor tradução dos termos em seu contexto.
12° Análise da estrutura literária do texto
➡ Essa é a análise que nos
permite conhecer toda a estrutura do texto, seja, linguística, histórica,
estilística, social, política, teológica e analógica. É também uma maneira de
separar estruturalmente o texto, destacando os aspectos particulares do texto.
Nessa análise, é possível determinar a estrutura do texto, observando, seu
estilo literário, e conhecer, por exemplo: seus paralelismos: históricos,
sínteses, antíteses, sinonímias, figuras de linguagem, etc. 
➡ Os principais gêneros
literários são:
Narrativo (história, eventos e personagens)
Poético (linguagem figurada), metáforas e ritmo)
Profético (profecias, promessas e exortações)
Sapiencial (provérbios, prática para a vida e reflexões)
Epistolar (cartas descritivas e prescritivas)
Apocalíptico (linguagem simbólica, julgamento divino e esperança).
13°  Esboço do texto 
É no esboço que o exegeta vai traçar as lições do texto, derivando do texto o seu ensino central e periférico. Seria levantar os pensamentos latentes no texto. Esse deve ser o tom sermônico tocando a exegese, visto que o fim da exegese é a aplicação.
14° Comentário do texto
O comentário já é a exegese em sua forma final, ou seja, a exegese propriamente dita. O exegeta deve tecer os seguintes comentários sobre texto: a) Filológico - Dá o sentido de cada palavra do texto para isso é necessário o estudo da sintaxe. b) Hermenêutico: Procura interpretar o texto dentro do seu contexto político, social, histórico, literário, etc. A hermenêutica busca o verdadeiro sentido do texto. c) Teológico - Dá interpretação ou sentido teológicodoutrinário do texto. d) Prático - Dá as lições de ordem prática do texto. Seria a contextualização da mensagem. A exegese é no aspecto prático: “Trazer o lá e o então para o aqui e agora”.
Bibliografia:
Introdução a exegese bíblica, Michael Gorman
Os perigos da interpretação bíblica, D.A.Carson

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