I - Introdução
A Igreja de Cristo é
sabidamente uma das mais antigas instituições do mundo. Desde o seu nascimento
em Jerusalém, no dia de Pentecostes, ela se expandiu por todos os continentes,
consolidando terminantemente o seu caráter transnacional e mundial.
Embora se constitua espiritualmente
de um único corpo, encabeçado por Cristo, não raras vezes no correr da história,
os homens tentaram amordaçá-la a determinados contextos ou circunstâncias
temporais, as quais, por suas características próprias, são complexas, variadas
e efêmeras.
Atualmente, enfrenta-se um
caso similar. A polarização política, movimento de massas com potente força
convergente, faz sucumbir a um de seus polos estabelecidos, direita ou
esquerda, tudo o que se aproxima de seu horizonte de eventos. Tal é a sua prodigiosa
gravidade, que parece arremeter para si até mesmo a Igreja!
Não quero aqui, no entanto, tratar das ideologias que a informam e nem de suas características, coisas que fiz em outro lugar, para onde remeto o leitor[2]. Mas, almejo analisar, especificamente, o lugar e a atuação da Igreja no contexto de uma tal conjuntura.
II – Definição
e sentido de Igreja
Principiemos por definir, para
os fins propostos, o que se entende com a realidade que se denomina Igreja.
O sentido etimológico do
termo grego Ekklesia “chamados para fora”, já nos fornece alguma
indicação de sua singularidade existencial. A Igreja de Cristo é um organismo espiritual
composto de pessoas convocadas a se reunirem nele, fora de um escopo mundano e
puramente espaço temporal.
A
extracircunstancialidade da Igreja implica em sua radical posição ontológica:
como Corpo de Cristo, ela significa a unidade espiritual dos crentes, e a vida
espiritual que advém dessa unidade, a qual é alcançada e consagrada pelo
Espírito Santo que nela habita.
III – O
Lugar da Igreja no Mundo
Sendo a Igreja o Corpo de
Cristo, onde se pode encontrá-la no mundo?
Por certo, ela é encontrada
em cada um de seus membros, onde estejam e independentes das siglas
denominacionais que carreguem. Quer dizer, a matéria constitutiva da Igreja de
Cristo, são os crentes em comunhão com Ele. Desse modo, o lugar da Assembléia
dos santos, transcende fronteiras nacionais ou limitações geográficas. Só por
essa dimensão, já se ver que não é possível reduzi-la a uma dada região do
planeta ou a alguma denominação específica, sem que com isso reste dela apenas
uma caricatura.
Ademais, cada crente deve
ver-se como membro efetivo dessa Igreja mística e transnacional. É dizer: não
interessa muito se, nominalmente, se faz parte desta ou daquela denominação, o
que importa é se, realmente, se é membro do corpo universal de Cristo.
Essa constatação não visa
menosprezar as vertentes do cristianismo, mas apenas destacar o nível em que um
membro qualquer da Igreja deve apreender-se dentro dela. Com efeito, as
denominações e nomes externos da Igreja, são acidentes, e não constituem senão
a forma como os princípios revelados que a orientam, se concretizaram nas
diferentes circunstâncias históricas. Enquanto as denominações e segmentos
variam, são criados e desaparecem, o Corpo de Cristo permanece incólume e sem
prejuízos de nenhuma ordem.
IV – O
ponto de vista desde o qual a Igreja vê o mundo
No que diz respeito ao ponto
de vista desde o qual o membro da Igreja exerce o seu mister, notemos,
inicialmente, como ele se situa no grau mais elevado possível ao homem.
Ora, a bíblia define a Igreja
como “coluna e firmeza da verdade[3]”. De
fato, o território da verdade, cujo interesse é a sua própria manutenção e
império, constitui-se na única dimensão idônea a sustentar a essência e
missão da própria Igreja. Fora do âmbito dessa verdade, a Igreja não se sustenta
ou mantêm a sua integridade. Se Igreja é “coluna e firmeza da verdade”, então
não é menos certo que a verdade é coluna e firmeza da Igreja.
Portanto, a Igreja não deve
descer do território da verdade para imiscuir-se em zonas, nas quais a verdade
é submetida a interesses puramente mundanos. Aliás, essa posição estratégica,
na qual a Igreja fora colocada por Deus em Cristo, é em tudo valiosa, pois é
por seu intermédio que os membros do Corpo místico de Cristo, servem de sal da
terra e luz do mundo.
Vejamos agora desde onde o
cristão deve falar e qual deve ser o conteúdo de sua voz.
V – Desde
onde o Cristão fala ao mundo
O membro do Corpo de Cristo,
deve posicionar-se desde o território que lhe é próprio, isto é, desde a “Igreja
que é coluna e firmeza da verdade”. Obviamente que ele fala, portanto, como
membro da Igreja, e não por si mesmo. Ademais, ele deve falar como integrante
da Igreja universal, no sentido a que aludimos anteriormente, e não como pertencente
somente a uma dada vertente cristã.
Por outro lado, não parece adequado
que a posição da Igreja seja considerada a de um grupo social como outro
qualquer, com os seus interesses e pautas particulares. Isso seria reduzir o
Corpo de Cristo a um relativismo ordinário e tacanho, tomando-o semelhante em
valor e importância, a outros partidos e facções humanas que guerreiam pelo
predomínio e poder.
A Igreja e os seus membros
devem defender o interesse da verdade, esta entendida como aquilo que
transcende a todos os interesses individuais ou grupais.
Tomemos um rápido exemplo. Na
época de Cristo, vários grupos com interesses distintos brigavam entre si. Cada
um deles julgava o Senhor Jesus a partir de sua própria ótica, e simplesmente
não entenderam a sua mensagem. Enquanto esses grupos disputavam por seus
interesses imediatos, Jesus pregava uma mensagem que transcendia todas aquelas
questões superficiais. Para os Fariseus, por exemplo, o problema, estava nos que
não cumpriam os inumeráveis regulamentos da Torá; os Revolucionários viam no
poder romano constituído o mal a ser combatido, etc. Cada grupo via o problema
central em circunstâncias exteriores e temporais. Jesus, no entanto, observou
que a realidade maligna residia no homem, e o escravizava desde o seu interior:
o verdadeiro mal a ser combatido era o pecado. A mensagem de Cristo,
interessava a todos e, em verdade, era a única que importava ser dita. Jesus
falava, portanto, o que era verdadeiro, necessário e essencial. Eis aí, a suma
do que deve ser dito ao mundo pela Igreja e seus membros.
Uma vez aclarados os
pressupostos que devem nortear uma atuação genuinamente cristã da Igreja,
vejamos como poderia se dar a sua atuação no cenário altamente polarizado da
política.
VI – A
posição da Igreja em relação às Ideologias
A Igreja não deve ser omissa
em relação às questões de seu tempo. Ela deve firmar posição pela verdade que encarna
e da qual é baluarte. Embora sendo incompreendida, deve ter claro que o preço a
ser pago por abdicar da verdade ou subvertê-la em proveito de alguns, é sempre
a perda de sua própria identidade. Igreja só é Igreja se estiver andando na
verdade.
De igual modo, uma vez
identificado como membro do Corpo de Cristo, o cristão não deve militar em
nenhuma seara senão nesta condição. Isto lhe garantirá a independência e força necessárias
para posicionar-se retamente pela verdade. Também tornará possível que ele
apreenda o que há de verdadeiro em cada uma das ideologias, e como as verdades
são ali subjugadas para servirem aos caprichos sectários.
Vejamos, sinteticamente, as
razões pelas quais a Igreja não deve aderir a nenhuma ideologia.
Em primeiro lugar, para
defender os valores cooptados pelas ideologias, a Igreja ou membro dela, não
precisa ideologizar a própria Igreja ou se tornar um ideólogo de direita, de
esquerda ou de centro. Com efeito, os valores da igualdade fundamental dos
seres humanos, da vida, da família, do casamento monogâmico entre um homem e
uma mulher, do respeito às propriedades alheias, da solidariedade e
fraternidade, da prudência, da equidade e moderação são bíblicos e o cristão
deve defendê-los, portanto, a partir de sua vida cristã.
Ademais, aderir a uma
ideologia é comprometer-se com as suas causas, projetos e meios de ação. Ora, embora
as causas ideológicas possam parecer ancoradas em razões justas, o fato, é que
os meios para as alcançar, costumam ser imorais, temos, por exemplo, derrubada
violenta do poder; destruição de classes sociais; controle e adestramento da
população, sem contar os inúmeros conchavos, subornos, compra de reputações, e
um sem-número de fraudes, meias-verdades, narrativas, etc., que simplesmente
tornam a empreitada ideológica uma senda de embaraços e pecados para o cristão.
Além disso, se o cristão
militar ideologicamente, correrá o risco de ser usado pelos sectários da
ideologia como massa de manobra, ou como um mero objeto. Uma característica
fundamental das ideologias é a sua capacidade de aparelhar as coisas, pessoas,
ideias, e instituições para os seus próprios propósitos. Se a Igreja deixar-se
vencer pela ideologia, servirá apenas como mera caixa de ressonância para os
projetos ideológicos. Tudo sucumbirá perante a causa da ideologia. Foi isso que
aconteceu com a Igreja quando ela abraçou a Teologia da Libertação[4], da
Prosperidade, etc. A proposta inicial era enriquecer a Teologia com novos
enfoques, mas o que aconteceu foi a sua infecção para que ela gestasse
ideólogos e militantes travestidos de cristãos.
Aqui é sempre lembrar a
advertência de nosso verdadeiro Mestre: “Eu os estou enviando como ovelhas no
meio de lobos. Portanto, sejam astutos como as serpentes e sem malícia como as
pombas”. Verdade, pureza, prudência e discernimento devem guiar as falas e as
intervenções dos cristãos.
VII –
Conclusão
Quando questionado, a Igreja
e os seus membros, devem se posicionar com mansidão, explicando as razões de
sua fé e a origem de suas convicções. O cristão, por exemplo, não deve ser
contra o aborto provocado e em qualquer fase da gestação, porque isso é coisa
de esquerdista ou porque ele é de direita, mas porque a revelação divina
condena essa prática.
A fala do cristão, portanto,
não deve sair desde um mero posicionamento político, mas de sua obediência à
revelação bíblica, ainda que isso seja contra as suas próprias inclinações
políticas. Essa é, em verdade, a essência da militância cristã genuína: buscar
a verdade revelada por Deus e comunicá-la ao mundo mesmo quando ela contraria
frontalmente os seus próprios interesses ou os interesses de um grupo qualquer.
Basta lembrarmos como Jonas, o profeta, anunciou uma mensagem divina a um povo
que ele odiava e desejava a morte. De resto, são os negócios de nosso Pai
celestial, mais importantes e vitais que os negócios humanos. Como seus filhos,
é necessário que deles cuidemos com prioridade absoluta.
[1]
Escritor, advogado e servo de Cristo.
[2]
Trata-se do texto “Interesse e Ideologia: uma análise da polarização política
brasileira”, disponível em:
https://natanrodriguesadv.blogspot.com/2025/10/interesse-e-ideologia-uma-analise-da.html
[4]
No artigo “Uma adaptação "cristã” da Revolução Comunista: Breve análise
do livro fundador da Teologia da Libertação na América Latina” faço
uma análise breve de alguns postulados da Teologia da Libertação e de como ela
transforma a Igreja em uma máquina de guerra da revolução comunista. Disponível
em: https://natanrodriguesadv.blogspot.com/2023/11/uma-adaptacao-crista-da-revolucao.html
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