quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

A Trindade: fatos bíblicos e suficiência conceitual – Parte I

 

Por Natan Costa Rodrigues

OBS: Este assunto será abordado em três partes.

 

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Um dos pilares de qualquer pesquisa que busque a pureza intelectual é o comprometimento do próprio pesquisador com a honestidade. Óbvio que a honestidade aqui referida, não significa neutralidade, mas sim a capacidade de se colocar ante um objeto de estudo com sinceridade de espírito e verdadeiro desejo de conhecê-lo tal como se apresenta.

Sendo assim, ao iniciar estas reflexões sobre a doutrina da Trindade, tenho o dever de informar que tentarei fazer um caminho inverso ao que é feito normalmente. Ao invés de analisar o conceito de Trindade em si mesmo, ou seja, sua coerência lógica interna, partirei dos fatos bíblicos que ensejaram a sua criação e verei se ele se mostra apto a equacionar o enigma posto pelas escrituras.

Permita-me justificar um pouco mais. Nos estudos sobre a Trindade, geralmente se analisa o conceito e depois, com esse conceito em mente, é que se vai tentando encaixá-lo entre os textos bíblicos, procurando-lhe as bases no Antigo e no Novo Testamento. Penso que isto não é “honesto” intelectualmente falando, mesmo que se trate de um conceito já bem cansado, mastigado e até mesmo aceito em grande parte pela cristandade.

Penso que o mais sensato seria cada cristão reconstruir por si mesmo o conceito, à luz do texto bíblico, ou seja, a partir dos textos postos na escritura, ele deve verificar se o conceito em questão deriva científica e logicamente do mesmo.

Note-se que a derivação científica e lógica do conceito a partir do texto sacro, não se confunde com a lógica interna do próprio conceito criado. Dito de outro modo: a coerência lógica do conceito de Trindade não se confunde com a necessidade de sua criação a partir da Bíblia.

Por fim, se constatado que o conceito de Trindade é a resposta intelectual mais adequada para dados fenômenos descritos nas escrituras, convêm ainda analisar se esse conceito satisfaz os fatos narrados, ou seja, se a ideia de Trindade é realmente correspondente aos fatos bíblicos. Em outros termos, consiste em saber se não é possível que outro conceito consiga responder melhor ao mistério bíblico.

A Teologia é uma ciência, e como tal, os resultados da sua investigação devem ser testados e validados por um método comum. Se é assim, então entende-se que a doutrina da Trindade deve surgir da Bíblia e não o contrário, isto é, o conceito ser encaixado nela.

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Em que pese as constatações anteriores, revela-se mui problemático ao estudante de teologia, remover previamente de si, um conceito como a Trindade, isto porque, a própria escolha dos textos a serem estudados já indicam que a Trindade ou a sua recusa, está em sua mente.

Em grande medida se parte para o estudo tendo a Trindade ou sua negação, como pressuposta e admitida. Nesse caso, a resposta será aquela que se deseja, a qual nem sempre coincide com a exigida pelo texto bíblico. Sendo assim, entendo que apenas ficcionalmente e com sinceridade essa busca pode ser empreendida.

Esclarecido estes pontos, buscarei o conhecimento de Deus, objetivando saber inicialmente se Ele é uma pessoa.

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Abrindo a Bíblia, vemos que o indício da personalidade divina já nos ocorre em Gênesis, no primeiro capítulo. Ali O vemos criar a Terra e os Céus por meio de palavras proferidas. Ora, isto deixa mui claro que nosso Deus é uma pessoa. Ele cria, fala, avalia moralmente a sua criação, determina a multiplicação dos seres criados, dá ordens às águas, terra etc.

Ainda neste primeiro capítulo de Gênesis, vemos a Bíblia utilizar termos como “façamos” e “Criou Deus”, conforme se nota abaixo:

26 ​Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.

27 ​Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.

Se atentarmos bem, veremos que a construção frasal nos é confusa:

 

1.    disse Deus” – singular;

2.    façamos o homem” – plural;

3.    Criou Deus, pois, o homem” – singular.

 

A oscilação no emprego de singular e plural, sugere prima facie, de um lado que Deus é um só, mas que fez o homem com outros seres. Seria simples assim se o texto não nos complicasse logo a seguir: “Façamos o homem à nossa imagem” e no versículo seguinte: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou.


A expressão “à nossa imagem” contrasta com “à imagem de Deus”. Essa “à nossa imagem” é por certo a mesma “à imagem de Deus”. Sabendo-se que a Bíblia é inerrante e infalível em todos os seus mínimos detalhes, só podemos concluir que já no Gênesis:

 

a)    Deus é uma pessoa, mas;

b)    Está junto com outras pessoas que também tem a sua mesma consistência (natureza), OU;

c)    Conforme se defende, temos aqui simples emprego de um plural majestático referindo-se ao supremo governo de Deus;

 

Assim, entendo que a questão acerca da pessoa divina já se coloca, portanto, desde o Gênesis, como problemática à nossa consciência. Ao longo de todo Antigo Testamento, vamos reencontrar esta dificuldade em maior ou menor grau[1].

 

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Mas continuemos um pouco mais neste primeiro capítulo de Gênesis. Vemos no verso 2 que “o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”. Que será este Espírito? Como pode Deus, que é espírito[2], possuir um Espírito? Onde está, em Deus, esse Espírito? Qual a sua natureza? Se é Espírito de Deus, é certo que é divino também, pois se o espírito que há no homem é de origem divina, quanto mais o próprio Espírito de Deus não será divino? Jó diz o seguinte:

 

Jó 33:4 O Espírito de Deus me fez; e a inspiração do Todo-Poderoso me deu vida.

 

Afinal, seria o Espírito de Deus uma daquelas pessoas presentes no momento do “façamos o homem”?

 

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A questão se nos complica ainda mais, quando consideramos que é esse Espírito que infunde a vida nos homens (Gn 6:3) e lhes dá a sabedoria (Jó 32:8). Mais ainda: esse Espírito pode ficar triste:

 

Is 63:10. Mas eles foram rebeldes, e contristaram o seu Espírito Santo; pelo que se lhes tornou em inimigo, e ele mesmo pelejou contra eles.

 

Donde se conclui que estamos, de fato, perante uma pessoa visto que ela se entristece, cria e até infunde sabedoria e vida nos homens.

 

Por outro lado, não é menos verdade que a escritura apresenta o Espírito de Deus em uma espécie de relação com Ele. Esse relacionamento envolve ideias de subordinação, missão, enchimento, capacitação etc. De todo modo, essa relação parece diferenciá-los em dois seres distintos, vide Sl 33:6; 104:30[3], entre outros.

 

Ademais, confrontando a expressão “O Espírito de Deus me fez” dita por Jó, com “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem” e o “façamos o homem à nossa imagem” presente em Gênesis, capítulo 1, verso 26-27, temos uma conclusão: O Espírito de Deus é o próprio Deus, mas ao mesmo tempo, por ser Espírito de Deus, não o é em algum sentido.

Como se resolve isto aqui? Sabendo-se que a unidade de Deus é um fato indiscutível[4], bem como a inerrância da Bíblia, só vislumbro duas saídas possíveis:

1) Mesmo Deus sendo um só, é duas pessoas diferentes, OU;

2) Há duas formas na Bíblia, nos textos estudados, de se referir ao mesmo Deus, ora como Deus, ora como Espírito de Deus e, nesta última hipótese, o “façamos o homem” e o “à nossa imagem” se resolve com o plural de majestade. 

Mas, no caso desta segunda hipótese, não consta uma justificativa adequada para a diferenciação que a própria escritura faz entre Deus e o seu Espírito, quando Ele o envia, por exemplo ou anuncia que vai derramá-lo. Se são um só, por que falar deles como se fossem distintos? Considero por isto, no momento, a primeira hipótese como mais idônea.



[1] Exemplo em Gn 11:7 Eia, desçamos, e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do outro.

[2] Jo 4:24 Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.

[3] Sl 33: 6 Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca.

Sl 104:30 Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas a face da terra.

[4] Por todos: 2Sm 7:22 Portanto, grandioso és, ó Senhor JEOVÁ, porque não semelhante a ti, e não há outro Deus senão tu só, segundo tudo o que temos ouvido com os nossos ouvidos. Is 45:21 Anunciai, e chegai-vos, e tomai conselho todos juntos: quem fez ouvir isto desde a antiguidade? quem desde então o anunciou? Porventura não sou eu, o Senhor? e não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há fora de mim.


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