Por Natan Costa Rodrigues
OBS: Este assunto será abordado em três partes.
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Um dos pilares
de qualquer pesquisa que busque a pureza intelectual é o comprometimento do próprio
pesquisador com a honestidade. Óbvio que a honestidade aqui referida, não
significa neutralidade, mas sim a capacidade de se colocar ante um objeto de
estudo com sinceridade de espírito e verdadeiro desejo de conhecê-lo tal como
se apresenta.
Sendo assim, ao
iniciar estas reflexões sobre a doutrina da Trindade, tenho o dever de informar
que tentarei fazer um caminho inverso ao que é feito normalmente. Ao invés de
analisar o conceito de Trindade em si mesmo, ou seja, sua coerência lógica
interna, partirei dos fatos bíblicos que ensejaram a sua criação e verei se ele
se mostra apto a equacionar o enigma posto pelas escrituras.
Permita-me
justificar um pouco mais. Nos estudos sobre a Trindade, geralmente se analisa o
conceito e depois, com esse conceito em mente, é que se vai tentando encaixá-lo
entre os textos bíblicos, procurando-lhe as bases no Antigo e no Novo
Testamento. Penso que isto não é “honesto” intelectualmente falando, mesmo que
se trate de um conceito já bem cansado, mastigado e até mesmo aceito em grande
parte pela cristandade.
Penso que o mais sensato seria cada cristão reconstruir por si mesmo o conceito, à luz do texto bíblico, ou seja, a partir dos textos postos na escritura, ele deve verificar se o conceito em questão deriva científica e logicamente do mesmo.
Note-se que a
derivação científica e lógica do conceito a partir do texto sacro, não se
confunde com a lógica interna do próprio conceito criado. Dito de outro modo: a
coerência lógica do conceito de Trindade não se confunde com a necessidade de
sua criação a partir da Bíblia.
Por fim, se
constatado que o conceito de Trindade é a resposta intelectual mais adequada para
dados fenômenos descritos nas escrituras, convêm ainda analisar se esse
conceito satisfaz os fatos narrados, ou seja, se a ideia de Trindade é
realmente correspondente aos fatos bíblicos. Em outros termos, consiste em
saber se não é possível que outro conceito consiga responder melhor ao mistério
bíblico.
A Teologia é
uma ciência, e como tal, os resultados da sua investigação devem ser testados e
validados por um método comum. Se é assim, então entende-se que a doutrina da Trindade
deve surgir da Bíblia e não o contrário, isto é, o conceito ser encaixado nela.
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Em que pese as
constatações anteriores, revela-se mui problemático ao estudante de teologia,
remover previamente de si, um conceito como a Trindade, isto porque, a própria escolha
dos textos a serem estudados já indicam que a Trindade ou a sua recusa, está em
sua mente.
Em grande medida
se parte para o estudo tendo a Trindade ou sua negação, como pressuposta e
admitida. Nesse caso, a resposta será aquela que se deseja, a qual nem sempre
coincide com a exigida pelo texto bíblico. Sendo assim, entendo que apenas
ficcionalmente e com sinceridade essa busca pode ser empreendida.
Esclarecido
estes pontos, buscarei o conhecimento de Deus, objetivando saber inicialmente
se Ele é uma pessoa.
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Abrindo a
Bíblia, vemos que o indício da personalidade divina já nos ocorre em Gênesis,
no primeiro capítulo. Ali O vemos criar a Terra e os Céus por meio de palavras
proferidas. Ora, isto deixa mui claro que nosso Deus é uma pessoa. Ele cria,
fala, avalia moralmente a sua criação, determina a multiplicação dos seres
criados, dá ordens às águas, terra etc.
Ainda neste
primeiro capítulo de Gênesis, vemos a Bíblia utilizar termos como “façamos” e
“Criou Deus”, conforme se nota abaixo:
26 Também disse Deus: “Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os
peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda
a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.
27 Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Se atentarmos bem, veremos que a
construção frasal nos é confusa:
1.
“disse
Deus” – singular;
2.
“façamos
o homem” – plural;
3.
“Criou
Deus, pois, o homem” – singular.
A oscilação no emprego de singular e
plural, sugere prima facie, de um lado que Deus é um só, mas que fez o
homem com outros seres. Seria simples assim se o texto não nos complicasse logo
a seguir: “Façamos o
homem à nossa imagem” e no
versículo seguinte: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de
Deus o criou.
A expressão “à nossa imagem”
contrasta com “à imagem de Deus”. Essa “à nossa imagem” é por certo
a mesma “à imagem de Deus”. Sabendo-se que a Bíblia é inerrante e
infalível em todos os seus mínimos detalhes, só podemos concluir que já no
Gênesis:
a)
Deus
é uma pessoa, mas;
b)
Está
junto com outras pessoas que também tem a sua mesma consistência (natureza),
OU;
c)
Conforme
se defende, temos aqui simples emprego de um plural majestático referindo-se ao
supremo governo de Deus;
Assim, entendo que a questão acerca da pessoa divina já se coloca,
portanto, desde o Gênesis, como problemática à nossa consciência. Ao longo de
todo Antigo Testamento, vamos reencontrar esta dificuldade em maior ou menor
grau[1].
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Mas continuemos um pouco mais neste primeiro capítulo de Gênesis.
Vemos no verso 2 que “o Espírito de Deus pairava por sobre as águas”.
Que será este Espírito? Como pode Deus, que é espírito[2],
possuir um Espírito? Onde está, em Deus, esse Espírito? Qual a sua natureza? Se
é Espírito de Deus, é certo que é divino também, pois se o espírito que
há no homem é de origem divina, quanto mais o próprio Espírito de Deus não será
divino? Jó diz o seguinte:
Jó 33:4 O Espírito de Deus me fez; e a inspiração do Todo-Poderoso me deu vida.
Afinal, seria o Espírito de Deus uma daquelas pessoas presentes no
momento do “façamos o homem”?
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A questão se nos complica ainda
mais, quando consideramos que é esse Espírito que infunde a vida nos homens (Gn
6:3) e lhes dá a sabedoria (Jó 32:8). Mais ainda: esse Espírito pode ficar
triste:
Is 63:10. Mas eles foram rebeldes, e contristaram
o seu Espírito Santo; pelo que se lhes tornou em inimigo, e ele
mesmo pelejou contra eles.
Donde se conclui que estamos, de
fato, perante uma pessoa visto que ela se entristece, cria e até infunde
sabedoria e vida nos homens.
Por outro lado, não é menos verdade
que a escritura apresenta o Espírito de Deus em uma espécie de relação com Ele.
Esse relacionamento envolve ideias de subordinação, missão, enchimento,
capacitação etc. De todo modo, essa relação parece diferenciá-los em dois seres
distintos, vide Sl 33:6; 104:30[3],
entre outros.
Ademais, confrontando a expressão “O
Espírito de Deus me fez” dita por Jó, com “Criou Deus, pois,
o homem à sua imagem” e o “façamos o homem à nossa imagem”
presente em Gênesis, capítulo 1, verso 26-27, temos uma conclusão: O Espírito
de Deus é o próprio Deus, mas ao mesmo tempo, por ser Espírito de Deus,
não o é em algum sentido.
Como se resolve isto aqui? Sabendo-se que a unidade de Deus é um fato indiscutível[4], bem como a inerrância da Bíblia, só vislumbro duas saídas possíveis:
1) Mesmo Deus sendo um só, é duas pessoas diferentes, OU;
2) Há duas formas na Bíblia, nos textos estudados, de se referir ao mesmo Deus, ora como Deus, ora como Espírito de Deus e, nesta última hipótese, o “façamos o homem” e o “à nossa imagem” se resolve com o plural de majestade.
Mas, no caso desta segunda hipótese,
não consta uma justificativa adequada para a diferenciação que a própria
escritura faz entre Deus e o seu Espírito, quando Ele o envia, por exemplo ou
anuncia que vai derramá-lo. Se são um só, por que falar deles como se fossem distintos?
Considero por isto, no momento, a primeira hipótese como mais idônea.
[1]
Exemplo em Gn 11:7 Eia, desçamos,
e confundamos ali a sua língua, para que não entenda um a língua do
outro.
[2] Jo
4:24 Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o
adorem em espírito e em verdade.
[3] Sl 33:
6 Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e
todo o exército deles pelo espírito da sua boca.
Sl 104:30 Envias o teu Espírito, e são criados, e assim renovas
a face da terra.
[4] Por
todos: 2Sm 7:22 Portanto, grandioso és, ó Senhor
JEOVÁ, porque não há semelhante a ti, e não há outro Deus senão tu
só, segundo tudo o que temos ouvido com os nossos ouvidos. Is 45:21 Anunciai, e chegai-vos, e tomai
conselho todos juntos: quem fez ouvir isto desde a antiguidade? quem
desde então o anunciou? Porventura não sou eu, o Senhor? e
não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há fora de
mim.
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