terça-feira, 25 de março de 2025

A Contaminação da Graça

 











 Por Natan Costa Rodrigues


Eis no que consiste a noção de Contaminação da Graça:

a)   Primeiramente consideremos um paralelo com o que ocorreu na Lei. O Apóstolo Paulo, escrevendo aos romanos, cap. 7, v. 8, explica que:

“Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, obrou em mim toda a concupiscência: porquanto sem a lei estava morto o pecado”. 

Ora, ao dizer isto, ele não queria dizer que a Lei gera o pecado ou que ela seja má, mas sim que:

“(...) a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse pecado; operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno” (Rm. 7:12-13). 

Dessa forma, o pecado, sendo uma relação, é sempre um mau por meio do bem. Ou seja, é como se a Lei tivesse sido contaminada pelo pecado. Obviamente, que uso o termo “contaminado” em um sentido metafórico, para expressar a ação do pecado, por meio da Lei.

b)   Um fato parecido acontece na Graça, onde a sua linguagem é instrumentalizada pelo pecado, tornando-se um veículo de pecados ainda mais graves do que na Lei, e por conseguinte, de uma condenação ainda pior do que aquela que houve por intermédio da Lei. Por certo que a Graça divina sempre superabunda em relação ao pecado, mas isto não impede que a interpretação e vivência incorreta da Graça ou, por exemplo, da Liberdade que há na graça, sirva de sucedâneo para que o pecado se mostre ainda mais maligno.

c)   O apóstolo Paulo, escrevendo aos Gálatas, Cap. 5:13, nos adverte disso quando disse:

“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pela caridade”.

Esta seria o cerne da noção de “contaminação” da Graça, pelo pecado;

d)  É sobretudo, a partir dessa ótica, que pende sobre os que se encontram na Graça de Cristo, as temíveis palavras dirigidas aos Hebreus, Cap. 10:29:

“Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?”.

O autor se refere à perversão voluntária da Graça, cometida por alguém, ou seja, ao emprego ardiloso e vil dos mandamentos ou ensinos da Graça. Ele diz:

“Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível do juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” (Hb 10:26-27)

e)   Mas, como alguém poderia pecar voluntariamente na Graça? Se há certa “expectação”, do juízo que haverá de devorar os adversários, então a mim parece certo de que esse pecado voluntário, só pode ocorrer no perfeito autoengano, mascarado de perfeito juízo. É dizer: o pecado voluntário, mesmo na consciência de que se peca ao praticar algo pecaminoso, e de se entregar conscientemente a essa prática, só demonstra uma profunda alienação existencial e cognitiva do indivíduo, que julga tudo de forma esquizofrênica. Dessa forma, quanto mais ajuizada se diz uma pessoa, ao pecar voluntariamente, mais autoenganada ela se torna.

f)    Outro reflexo dessa “contaminação” seria uma visão extremada do amor. Porque, pela radicalização da liberdade se pode pecar à vontade, e pela visão extremada do amor se poderia amar de tudo, inclusive aquilo que deve ser odiado.

Em síntese, na Graça o pecado, tomando ocasião pelos mandamentos de Cristo, que são santos, puros e perfeitos, teria o condão de se tornar ainda mais maligno. E isto, significa que, na sua fenomenologia no mundo, o pecado se vale da terminologia e dos elementos da Graça, ou seja, são pecados cometidos em virtude do amor, em razão da igualdade, buscando a liberdade, em suma, em nome de todos os bons sentimentos que operam pela Graça.

Ora, a essência do mandamento Cristão na Graça, é o amor:

“que vos ameis uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13:34; 15:12).

Nesse sentido, o amor, precisamente, é que é tomado como fonte de transgressões da própria Graça.  Isso ocorre quando esse amor, é isolado e destituído de suas relações com as demais virtudes cristãs, quando ele é, enfim, esvaziado de sua dimensão ética e de justiça. Ele é instrumentalizado, então, pelo pecador, que o perverte em um anti-amor ou em um amor às avessas, o qual é o perfeito contrário da própria Graça. O remédio para isto, continua sendo a superabundância da graça divina pelo poder do Evangelho, mas a consequência ao que não se converter, será o justo juízo de Deus, ainda mais severo que o proveniente da Lei.


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