Eis no que consiste a noção de Contaminação da Graça:
a) Primeiramente
consideremos um paralelo com o que ocorreu na Lei. O Apóstolo Paulo, escrevendo
aos romanos, cap. 7, v. 8, explica que:
“Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, obrou em mim toda a concupiscência: porquanto sem a lei estava morto o pecado”.
Ora,
ao dizer isto, ele não queria dizer que a Lei gera o pecado ou que ela seja má,
mas sim que:
“(...) a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom. Logo tornou-se-me o bom em morte? De modo nenhum; mas o pecado, para que se mostrasse pecado; operou em mim a morte pelo bem; a fim de que pelo mandamento o pecado se fizesse excessivamente maligno” (Rm. 7:12-13).
Dessa forma, o pecado, sendo uma relação, é sempre um mau por meio do bem. Ou seja, é como se a Lei tivesse sido contaminada pelo pecado. Obviamente, que uso o termo “contaminado” em um sentido metafórico, para expressar a ação do pecado, por meio da Lei.
c) O apóstolo
Paulo, escrevendo aos Gálatas, Cap. 5:13, nos adverte disso quando disse:
“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pela caridade”.
Esta
seria o cerne da noção de “contaminação” da Graça, pelo pecado;
d) É
sobretudo, a partir dessa ótica, que pende sobre os que se encontram na Graça
de Cristo, as temíveis palavras dirigidas aos Hebreus, Cap. 10:29:
“Quebrantando alguém a lei de Moisés, morre sem misericórdia, só pela palavra de duas ou três testemunhas. De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue do testamento, com que foi santificado, e fizer agravo ao Espírito da graça?”.
O
autor se refere à perversão voluntária da Graça, cometida por alguém, ou seja,
ao emprego ardiloso e vil dos mandamentos ou ensinos da Graça. Ele diz:
“Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido o conhecimento da verdade, já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível do juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” (Hb 10:26-27)
e) Mas, como
alguém poderia pecar voluntariamente na Graça? Se há certa “expectação”,
do juízo que haverá de devorar os adversários, então a mim parece certo de que
esse pecado voluntário, só pode ocorrer no perfeito autoengano, mascarado de
perfeito juízo. É dizer: o pecado voluntário, mesmo na consciência de que se
peca ao praticar algo pecaminoso, e de se entregar conscientemente a essa
prática, só demonstra uma profunda alienação existencial e cognitiva do
indivíduo, que julga tudo de forma esquizofrênica. Dessa forma, quanto mais
ajuizada se diz uma pessoa, ao pecar voluntariamente, mais autoenganada ela se
torna.
f) Outro
reflexo dessa “contaminação” seria uma visão extremada do amor. Porque, pela
radicalização da liberdade se pode pecar à vontade, e pela visão extremada do amor
se poderia amar de tudo, inclusive aquilo que deve ser odiado.
Em
síntese, na Graça o pecado, tomando ocasião pelos mandamentos de Cristo, que
são santos, puros e perfeitos, teria o condão de se tornar ainda mais maligno.
E isto, significa que, na sua fenomenologia no mundo, o pecado se vale da
terminologia e dos elementos da Graça, ou seja, são pecados cometidos em
virtude do amor, em razão da igualdade, buscando a liberdade, em suma, em nome
de todos os bons sentimentos que operam pela Graça.
Ora,
a essência do mandamento Cristão na Graça, é o amor:
“que vos ameis uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13:34; 15:12).
Nesse
sentido, o amor, precisamente, é que é tomado como fonte de transgressões da
própria Graça. Isso ocorre quando esse amor,
é isolado e destituído de suas relações com as demais virtudes cristãs, quando
ele é, enfim, esvaziado de sua dimensão ética e de justiça. Ele é instrumentalizado,
então, pelo pecador, que o perverte em um anti-amor ou em um amor às avessas, o
qual é o perfeito contrário da própria Graça. O remédio para isto, continua
sendo a superabundância da graça divina pelo poder do Evangelho, mas a
consequência ao que não se converter, será o justo juízo de Deus, ainda mais
severo que o proveniente da Lei.
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