sábado, 25 de março de 2023

PRIMEIRAS DISTINÇÕES: VERDADE, CONHECIMENTO, LÓGICA E REALIDADE

 Por Natan Costa Rodrigues

 

O presente artigo, busca elucidar alguns aspectos pressupostos na aquisição filosófica de um conhecimento. Eis o excurso teorético: a) condições do conhecimento verdadeiro; as relações entre verdade e crença, verdade e evidência, lógica e verdade, verdade e realidade e verdade e normas prescritivas.

Seguindo o roteiro resta saber se são possíveis três coisas: 1) um conhecimento verdadeiro; 2) conhecer essas verdades; 3) transmitir essas verdades.

Com relação à primeira questão parece evidente que a resposta é afirmativa. Com efeito, até para negar um conhecimento como verdadeiro, precisamos está afirmando uma verdade. Até mesmo quem admite que não sabe a verdade, implicitamente afirma a existência de um conhecimento verdadeiro, bem como a verdade de suas declarações.

Como dito anteriormente, só a verdade faz sentido, de sorte, que qualquer refutação da verdade precisa ser verdade para ser aceita. Isto posto, ainda resta um questionamento dentro desta questão. Pode ser que ninguém esteja falando a verdade dentro de uma discussão: nem quem esteja falando que há conhecimento verdadeiro e nem aquele que esteja negando que exista conhecimento verdadeiro. A verdade pode ser outra coisa. Contudo, o fato de ninguém está falando a verdade nesse debate precisa ser verdade, para que faça sentido que a verdade esteja em outro lugar. Ou seja, qualquer, mas qualquer tentativa de refutação de que não haja conhecimento verdadeiro, precisa assentar-se num conhecimento verdadeiro, ainda que o objeto da refutação, não seja verdade.

A respeito da segunda questão, permanece a mesma situação da precedente. Se embora exista a verdade ou conhecimento verdadeiro, não for possível conhecê-lo, duas questões se colocam. Primeiro, a não possibilidade de conhecer a verdade precisa ser verdadeira para fazer sentido. E isto é suficiente para acabar com a ideia de que não é possível conhecer a verdade nesse sentido. A segunda questão, porém, é mais delicada, pois pode ser que a verdade possa ser conhecida só por alguns.

Diante disso quem pode conhecer a verdade? Se alguém discorda de qualquer dos termos ou questões até aqui ditos, afirma implicitamente que pode conhecer a verdade, ou reconhece-la. Por outro lado, se só alguns podem conhecer a verdade, será necessário definir o porquê desse fato. Nesse sentido, ou há diferenças essenciais entre os homens, especificamente no aparelho cognoscente ou na mente, ou todos não possuem a mesma oportunidade de conhecer a verdade, ou seja, haveria pessoas em tais circunstâncias que jamais elas poderiam conhecer a verdade.

Para afirmar a resposta em qualquer dos casos seria necessário possuir os dados específicos a este respeito sobre todos os homens em todas as épocas. Este requisito se mostra impossível de ser satisfeito, e nesse caso, só resta acreditar, em vista das evidências diretas da vida, que todos os homens possuem a mesma capacidade de conhecer e que as circunstâncias materiais e físicas às vezes constituem um empecilho para que se alcance este conhecimento.

De resto, precisamos saber se a verdade pode ser comunicada, ou seja, quando falamos a verdade a alguém, comunicamos a verdade mesma ou será que não dizemos outra coisa diferente da verdade que conhecemos? A verdade pode ser comunicada, isso parece ser evidente, pois quem afirma algo contra uma opinião ou contra alguém que é persona non grata, espera está falando a verdade, e se não fala a verdade, sabe que está mentindo ou então não sabe que está na ignorância.

A questão mesma a ser respondida é se as palavras podem adequadamente dar conta das verdades que queremos comunicar. Parece claro que, mesmo aqueles que não acreditam que as palavras possam comunicar alguma coisa utilizam as palavras para comunicar essa ideia. Então, resta cristalino que as palavras podem expressar a verdade, do contrário, ao utilizar as palavras para comunicar que as palavras não podem comunicar nada, o crítico não deveria se surpreender se alguém não entendesse suas palavras, e sim pelo contrário.

Existem de fato, situações em que não encontramos as palavras adequadas à comunicação destas ou daquelas impressões, e por vezes a própria língua não oferece uma quantidade de palavras aptas a descrever todos os fenômenos. Isto, porém, não parece alterar o quadro das conclusões anteriores.

Por fim, resta ainda verificar se podemos conhecer toda a verdade ou apenas parte delas. A experiência conhecida pela maioria dos homens induz à crença de que podemos conhecer toda a verdade, embora não se conheça ninguém que tenha alcançado tal feito.

 

1.1 VERDADE E CRENÇA

 

Falei da minha crença em alguns momentos, durante as linhas anteriores. Será que as crenças não poderiam deturpar a verdade e a sua comunicação? As crenças nascem da fé, que é imanente ao homem limitado. Explico: não conhecemos o amanhã, nem a plenitude das coisas que nos cercam, a partir disso surgem as expectativas, os anseios.

Quando qualquer destas coisas ocorre com frequência surge o cotidiano de fatos, os hábitos, os costumes, que nada mais são que um conjunto de atos isolados ligados pela fé. Não há, de fato, solução de continuidade entre estes fatos, senão psicológica.

O que há são crenças de que, por exemplo, trabalhando o mês inteiro irei receber o salário no final do mês, ou preparando o café da manhã, irei toma-lo daqui a cinco minutos. Não há garantias suficientes para dizer que à preparação do café se seguirá necessariamente o gole.

Ante o exposto, resta indagar se essa limitação da crença não compromete a percepção e comunicação da verdade. Ao que tudo parece indicar a resposta é negativa. Em primeiro lugar, a crença não é um elemento essencial à verdade, ou seja, o fato de alguém crer ou não em alguma coisa não tem o condão de torna-la verdade.

Em segundo lugar, se a crença nasce de uma limitação inerente ao homem, ela mesma é um testemunho da verdade, na medida em que se crer pela evidência da verdade.

A crença revela de um lado que não sabemos ou que não podemos saber de tudo e que por isso precisamos crer; e de outro lado que essa mesma crença está apoiada em evidências que lhe dão razoabilidade. Será possível, contudo, que uma crença esteja apoiada sobre outra crença, e assim sucessivamente. Neste caso, no início do processo sempre haverá alguma evidência que justifica toda a cadeia de crenças.

 

1.2 VERDADE E EVIDÊNCIA

 

Pode acontecer, contudo, de alguém enganar-se desde as evidências, ou seja, tomar por evidente aquilo que não o é de forma alguma. Às vezes por uma falsa apreciação dos fatos ou uma ilusão dos sentidos, conclusões equivocadas acabam sendo engendradas. Diante disso, não seria o caso de se concluir pelo caráter sempre deficitário de qualquer evidência, crença ou verdade? Não há razão nenhuma para isso.

É necessário diferenciar a verdade, das condições para se conhecê-la. As evidências falsas podem levar a falsas conclusões, o que não significa que sempre isso ocorre. Por vezes falsas evidências podem conduzir também a verdade, o que mostra que os planos da verdade, da percepção e da crença são diferentes. Entretanto, se somos capazes de perceber as falsas evidências, é porque podemos reconhecer as verdadeiras. Do mesmo modo, se conseguimos observar uma falsa crença, também conseguiremos perceber uma verdadeira. O mesmo se dá com as percepções. A percepção que percebe uma falsa percepção pressupõe-se verdadeira.

A conclusão é que existem de fato, tanto verdadeiras quanto falsas percepções, e isso basta para este ponto. Destarte, no confronto de evidências, será necessário se fazer a prova da veracidade das afirmações. Logo, se não há evidência direta de uma afirmativa, quem afirma deverá provar a verdade da afirmação. Devo, contudo, ressaltar que nem sempre há evidências diretas para todas as coisas e, como dito antes, é por isso que temos crenças, pois estas suprem a carência das evidências, e por isso quando as crenças são bem fundadas fazem prova da verdade.

Nesse sentido, parece ser inseparável a verdade da evidência e da crença, para nós seres humanos. Da evidência, porque sem esta não há como conhecer qualquer verdade; desta, porque sem a crença, não há como se viver todas as potencialidades do homem só com as evidências disponíveis, de sorte que cada crença confirmada é por assim dizer uma confirmação da verdade suposta.

 

1.3 VERDADE E ESSÊNCIA

 

Em um primeiro momento verificamos se é possível a Verdade ou conhecimento verdadeiro. Cheguei à conclusão de que é possível, mas será esse conhecimento um fato? Ou seja, será que de fato conhecemos e sabemos a verdade, ou tudo será apenas uma possibilidade, uma sequência de tentativas? Para esclarecer ainda mais a questão.

Ficou claro que a negação da verdade, a descrença, a ignorância, as crenças, as falsas percepções e evidências, não tem o condão de afastar a possibilidade do conhecimento verdadeiro, da verdade. Porém, conhecemos de fato? Realizamos essa possibilidade? Acontece entre nós de alguém conhecer alguma coisa, conhecer a verdade sobre, e essa coisa mesma? A pergunta não é meramente teórica, é prática.

Fala da concretização do saber, por isso é importante. Novamente a resposta é afirmativa. Conhecimento sempre é conhecimento de algo que se apresenta como objeto ao espírito, portanto, a mera admissão de uma possibilidade de conhecer já é conhecimento real e, portanto, verdadeiro.

Quando conhecemos as coisas por experiência ou intuição, apreendemos dos objetos suas características e notas distintivas de outros objetos. Ao mesmo tempo, relacionamos no espírito as semelhanças com outros objetos, e isto nos permite reconhecer o objeto. Tal a capacidade, que o reconhecimento se estende a tudo o que nos perpassa, incluindo o próprio conhecimento, bem como a capacidade de reconhecer.

Não se deve esquecer, ainda, que sem este (re)conhecimento sequer poderíamos produzir ou viver uma civilização. Desse modo, reconhecimento é conhecimento.

Acredito— uma vez que não tenho como aferir o nível de satisfação dos leitores— que bastam estes argumentos para mostrar que o conhecimento não só é possível, como é real, sem esquecer conforme mostramos que conhecimento possível é conhecimento real; este entendido como conhecimento do próprio conhecimento.

 

1.4 VERDADE, LÓGICA E REALIDADE

 

Até o presente tópico ainda não conceituamos o que se entende por verdade. Faremos isto assim que enfrentarmos as questões referentes à Lógica e sua relação com a verdade. O problema pode ser exposto dessa forma: a verdade não parece admitir contradições em sua estrutura. Ao mesmo tempo a realidade que ela descreve transparece cheia de contradições.

Quando se vai verificar o meio social nota-se um grande distanciamento entre o que a verdade exige e o que é apresentado. Alguns acabam não acreditando na verdade, pois na prática tudo é ilógico ou alógico. Nesse sentido, a lógica é essencial à verdade ou ainda: a verdade carece de/ou é lógica?

Se dissermos que a realidade é cheia de contradições, afirmamos uma verdade que não possui contradições. Ademais, a verdade em si mesma não pode possuir contradições, pois a coerência é um de seus atributos. A questão é que essa coerência é estabelecida não entre os objetos aos quais a verdade se refere, mas entre a verdade e o objeto que a ela corresponde.

Nesse sentido, não há contradição entre a verdade que afirma que a realidade é cheia de contradições e a realidade mesma referida na frase. Contudo, há contradição entre os elementos da realidade, isto é, entre os elementos que a verdade afirma que entre eles existem contradições. Desse modo a falta de coerência nas coisas não destrói a verdade, mas a afirma, na medida em que se fala a verdade a respeito dessas mesmas coisas.

 

1.5 VERDADE E CONHECIMENTO VERDADEIRO

 

Cumpre responder à questão do que é verdade e se esta é o mesmo que conhecimento verdadeiro. Verdade é a qualidade da afirmação que corresponde perfeitamente ao objeto que se refere na realidade. Toda verdade é relativa? Isso é correto se se considera essa relação existente entre o objeto da verdade e a verdade do objeto. Só nesse sentido.

Se alguma coisa é afirmada acerca de alguma coisa, e essa afirmação for verdadeira, nada poderá alterar ou mudar a validade da afirmação. Se a coisa mudar a afirmação permanecerá válida, pois ao tempo da afirmação a coisa estava correspondendo ao enunciado verdadeiro.

De sorte que não importa o transcurso do tempo, ou a mudança de estado das coisas, aquela verdade tendo sido dita e correspondendo perfeitamente à realidade referida, não poderá ser destruída ou invalidada. A verdade poderá se tornar ineficaz, oculta, até mesmo sem nenhum préstimo, porém não poderá tornar-se nunca em mentira.

Parece óbvio que a verdade expressa um conhecimento verdadeiro, pois tudo que se afirma ou nega a respeito de qualquer coisa, se for verdade é conhecimento, é informação, muito embora, possa não ter sido provada ou testada. Como vimos, o fato de alguma verdade, seja ela uma crença, seja uma evidência, seja uma percepção, não ter passado por um teste ou experiência comprobatória, não influencia em nada seu caráter de verdade.

Com efeito, uma coisa é a afirmação verdadeira, que preencha os requisitos para ser verdade, outra coisa são as provas que eventualmente irá se fazer para averiguar a veracidade ou não de uma informação. E outra coisa são os argumentos através dos quais a verdade será dita para que se possa convencer alguém.

É possível nesse sentido, que verdades nunca sejam ditas. Nem por isso terão deixado de existir no espírito de quem as sabes. Quem for falar a verdade escolhe os meios para tanto e, deve fazer uma escolha entre os meios mais eficazes para essa comunicação.

 

1.6 VERDADE, REGRAS E DEVER-SER

 

Por fim, não é incomum presenciarmos alguém afirmando que se deve agir deste ou daquele modo, para que a verdade seja satisfeita, ou porque a verdade assim o exige. Seriam duas espécies de verdade? Seria uma única espécie com duas faces?

Com efeito, afirmamos a pouco que a verdade é uma afirmação ou negação que corresponde a um determinado objeto na realidade. Se a verdade é descritiva, donde sai essa sua capacidade de ditar regras? A verdade é sempre descritiva.

Quando alguém afirma que se deve agir de acordo com a verdade, ele toma como parâmetro um dos modos estáticos da verdade. Haja com sinceridade, significa haja de acordo com algo preestabelecido, já descrito e emoldurado num modo de ser chamado “sincero”. Por isso a verdade sempre é, e nunca deve-ser. Quem deve-ser somos nós, porquanto não estamos de acordo com a verdade. Sendo assim, não existem duas verdades, uma do Ser e outra do Dever-Ser, pelo contrário, toda verdade é. O que existe é uma desconformidade entre o Ser da verdade e o ser das pessoas e das coisas. Se não somos, devemos ser; a verdade, porém, é.

Mas de onde surge o dever-ser? Surge por certo, da violação do ser. Quando o ser é violado, é necessário que se restabeleça o status quo ante. É formulada, então uma norma, uma regra visando recompor o ser violado. Isto não é apenas lógico, é fático.

A ordem das coisas é sempre dada antes, e as possíveis violações também. Em uma dada ordem de coisas, sempre haverá um elemento de manutenção que justifica a existência implícita de um elemento de possível dissolução. Por isso, na ordem mesma já está colocado o potencial de sua destruição, e nesse sentido, ela já fornece juntamente o meio de manutenção e, caso ocorra a violação, o meio de restauração.

Nesse sentido, a verdade é sempre descrição de um fato, de um objeto, e da ordem preestabelecida, havendo múltiplos objetos descritos. A verdade descreve, e só é interessante a descrição, se for verdadeira.

De um lado a verdade descreve a ordem que já é, conforme estabelecida e descoberta pelos homens, e de outro lado, a verdade descreve a realidade sobre o qual impera o deve-ser, conforme pervertida pelos homens e divorciada do ser. Nestas descrições, surge o abismo, a diferença entre uma e outra, que exige a norma.

A norma, por sua vez, se exige corretamente a restauração da ordem, está conforme a verdade já posta. Contudo, a norma deverá observar os meios corretos de restauração, caso contrário, trará mais violações e sofrimentos.  Diante do exposto, observa-se que não há confusão alguma entre verdade e dever-ser, entre norma e violação, entre verdade e norma.



[1] Extraído e adaptado do primeiro capítulo do Livro RODRIGUES; Natan Costa. Filosofia do Ser Humano: o que é essência e o que é Essencial. Ebook. 2020. Disponível em: https://www.amazon.com.br/gp/product/B09MRGV3PP/ref=dbs_a_def_rwt_bibl_vppi_i2

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