Por Natan Costa Rodrigues
O presente artigo, busca elucidar alguns
aspectos pressupostos na aquisição filosófica de um conhecimento. Eis o excurso
teorético: a) condições do conhecimento verdadeiro; as relações entre verdade e
crença, verdade e evidência, lógica e verdade, verdade e realidade e verdade e
normas prescritivas.
Seguindo o roteiro resta saber se são
possíveis três coisas: 1) um conhecimento verdadeiro; 2) conhecer essas
verdades; 3) transmitir essas verdades.
Com relação à primeira questão parece evidente que a resposta é afirmativa. Com efeito, até para negar um conhecimento como verdadeiro, precisamos está afirmando uma verdade. Até mesmo quem admite que não sabe a verdade, implicitamente afirma a existência de um conhecimento verdadeiro, bem como a verdade de suas declarações.
Como
dito anteriormente, só a verdade faz sentido, de sorte, que qualquer refutação da
verdade precisa ser verdade para ser aceita. Isto posto, ainda resta um questionamento
dentro desta questão. Pode ser que ninguém esteja falando a verdade dentro de
uma discussão: nem quem esteja falando que há conhecimento verdadeiro e nem
aquele que esteja negando que exista conhecimento verdadeiro. A verdade pode
ser outra coisa. Contudo, o fato de ninguém está falando a verdade nesse debate
precisa ser verdade, para que faça sentido que a verdade esteja em outro lugar.
Ou seja, qualquer, mas qualquer tentativa de refutação de que não haja
conhecimento verdadeiro, precisa assentar-se num conhecimento verdadeiro, ainda
que o objeto da refutação, não seja verdade.
A
respeito da segunda questão, permanece a mesma situação da precedente. Se
embora exista a verdade ou conhecimento verdadeiro, não for possível conhecê-lo,
duas questões se colocam. Primeiro, a não possibilidade de conhecer a verdade
precisa ser verdadeira para fazer sentido. E isto é suficiente para acabar com
a ideia de que não é possível conhecer a verdade nesse sentido. A segunda
questão, porém, é mais delicada, pois pode ser que a verdade possa ser conhecida
só por alguns.
Diante
disso quem pode conhecer a verdade? Se alguém discorda de qualquer dos termos
ou questões até aqui ditos, afirma implicitamente que pode conhecer a verdade,
ou reconhece-la. Por outro lado, se só alguns podem conhecer a verdade, será
necessário definir o porquê desse fato. Nesse sentido, ou há diferenças essenciais
entre os homens, especificamente no aparelho cognoscente ou na mente, ou todos
não possuem a mesma oportunidade de conhecer a verdade, ou seja, haveria
pessoas em tais circunstâncias que jamais elas poderiam conhecer a verdade.
Para
afirmar a resposta em qualquer dos casos seria necessário possuir os dados
específicos a este respeito sobre todos os homens em todas as épocas. Este requisito
se mostra impossível de ser satisfeito, e nesse caso, só resta acreditar, em
vista das evidências diretas da vida, que todos os homens possuem a mesma capacidade
de conhecer e que as circunstâncias materiais e físicas às vezes constituem um
empecilho para que se alcance este conhecimento.
De
resto, precisamos saber se a verdade pode ser comunicada, ou seja, quando falamos
a verdade a alguém, comunicamos a verdade mesma ou será que não dizemos outra
coisa diferente da verdade que conhecemos? A verdade pode ser comunicada, isso parece
ser evidente, pois quem afirma algo contra uma opinião ou contra alguém que é persona
non grata, espera está falando a verdade, e se não fala a verdade, sabe que
está mentindo ou então não sabe que está na ignorância.
A
questão mesma a ser respondida é se as palavras podem adequadamente dar conta
das verdades que queremos comunicar. Parece claro que, mesmo aqueles que não
acreditam que as palavras possam comunicar alguma coisa utilizam as palavras
para comunicar essa ideia. Então, resta cristalino que as palavras podem expressar
a verdade, do contrário, ao utilizar as palavras para comunicar que as palavras
não podem comunicar nada, o crítico não deveria se surpreender se alguém não
entendesse suas palavras, e sim pelo contrário.
Existem
de fato, situações em que não encontramos as palavras adequadas à comunicação
destas ou daquelas impressões, e por vezes a própria língua não oferece uma
quantidade de palavras aptas a descrever todos os fenômenos. Isto, porém, não
parece alterar o quadro das conclusões anteriores.
Por
fim, resta ainda verificar se podemos conhecer toda a verdade ou apenas parte
delas. A experiência conhecida pela maioria dos homens induz à crença de
que podemos conhecer toda a verdade, embora não se conheça ninguém que tenha
alcançado tal feito.
1.1 VERDADE E CRENÇA
Falei
da minha crença em alguns momentos, durante as linhas anteriores. Será que as
crenças não poderiam deturpar a verdade e a sua comunicação? As crenças nascem
da fé, que é imanente ao homem limitado. Explico: não conhecemos o amanhã, nem
a plenitude das coisas que nos cercam, a partir disso surgem as expectativas,
os anseios.
Quando
qualquer destas coisas ocorre com frequência surge o cotidiano de fatos, os
hábitos, os costumes, que nada mais são que um conjunto de atos isolados ligados
pela fé. Não há, de fato, solução de continuidade entre estes fatos, senão psicológica.
O que
há são crenças de que, por exemplo, trabalhando o mês inteiro irei receber o
salário no final do mês, ou preparando o café da manhã, irei toma-lo daqui a
cinco minutos. Não há garantias suficientes para dizer que à preparação do café
se seguirá necessariamente o gole.
Ante
o exposto, resta indagar se essa limitação da crença não compromete a percepção
e comunicação da verdade. Ao que tudo parece indicar a resposta é negativa. Em
primeiro lugar, a crença não é um elemento essencial à verdade, ou seja, o fato
de alguém crer ou não em alguma coisa não tem o condão de torna-la verdade.
Em
segundo lugar, se a crença nasce de uma limitação inerente ao homem, ela mesma
é um testemunho da verdade, na medida em que se crer pela evidência da verdade.
A
crença revela de um lado que não sabemos ou que não podemos saber de tudo e que
por isso precisamos crer; e de outro lado que essa mesma crença está apoiada em
evidências que lhe dão razoabilidade. Será possível, contudo, que uma crença
esteja apoiada sobre outra crença, e assim sucessivamente. Neste caso, no
início do processo sempre haverá alguma evidência que justifica toda a cadeia
de crenças.
1.2 VERDADE E EVIDÊNCIA
Pode acontecer,
contudo, de alguém enganar-se desde as evidências, ou seja, tomar por evidente
aquilo que não o é de forma alguma. Às vezes por uma falsa apreciação dos fatos
ou uma ilusão dos sentidos, conclusões equivocadas acabam sendo engendradas.
Diante disso, não seria o caso de se concluir pelo caráter sempre deficitário
de qualquer evidência, crença ou verdade? Não há razão nenhuma para isso.
É necessário
diferenciar a verdade, das condições para se conhecê-la. As evidências falsas
podem levar a falsas conclusões, o que não significa que sempre isso ocorre.
Por vezes falsas evidências podem conduzir também a verdade, o que mostra que
os planos da verdade, da percepção e da crença são diferentes. Entretanto, se
somos capazes de perceber as falsas evidências, é porque podemos reconhecer as
verdadeiras. Do mesmo modo, se conseguimos observar uma falsa crença, também
conseguiremos perceber uma verdadeira. O mesmo se dá com as percepções. A
percepção que percebe uma falsa percepção pressupõe-se verdadeira.
A conclusão
é que existem de fato, tanto verdadeiras quanto falsas percepções, e isso basta
para este ponto. Destarte, no confronto de evidências, será necessário se fazer
a prova da veracidade das afirmações. Logo, se não há evidência direta de uma
afirmativa, quem afirma deverá provar a verdade da afirmação. Devo, contudo,
ressaltar que nem sempre há evidências diretas para todas as coisas e, como
dito antes, é por isso que temos crenças, pois estas suprem a carência das evidências,
e por isso quando as crenças são bem fundadas fazem prova da verdade.
Nesse
sentido, parece ser inseparável a verdade da evidência e da crença, para nós
seres humanos. Da evidência, porque sem esta não há como conhecer qualquer verdade;
desta, porque sem a crença, não há como se viver todas as potencialidades do
homem só com as evidências disponíveis, de sorte que cada crença confirmada é
por assim dizer uma confirmação da verdade suposta.
1.3 VERDADE E ESSÊNCIA
Em um
primeiro momento verificamos se é possível a Verdade ou conhecimento verdadeiro.
Cheguei à conclusão de que é possível, mas será esse conhecimento um fato? Ou
seja, será que de fato conhecemos e sabemos a verdade, ou tudo será apenas uma
possibilidade, uma sequência de tentativas? Para esclarecer ainda mais a questão.
Ficou
claro que a negação da verdade, a descrença, a ignorância, as crenças, as
falsas percepções e evidências, não tem o condão de afastar a possibilidade do
conhecimento verdadeiro, da verdade. Porém, conhecemos de fato? Realizamos essa
possibilidade? Acontece entre nós de alguém conhecer alguma coisa,
conhecer a verdade sobre, e essa coisa mesma? A pergunta não é meramente
teórica, é prática.
Fala
da concretização do saber, por isso é importante. Novamente a resposta é
afirmativa. Conhecimento sempre é conhecimento de algo que se apresenta
como objeto ao espírito, portanto, a mera admissão de uma possibilidade de
conhecer já é conhecimento real e, portanto, verdadeiro.
Quando
conhecemos as coisas por experiência ou intuição, apreendemos dos objetos suas
características e notas distintivas de outros objetos. Ao mesmo tempo, relacionamos
no espírito as semelhanças com outros objetos, e isto nos permite reconhecer
o objeto. Tal a capacidade, que o reconhecimento se estende a tudo o que
nos perpassa, incluindo o próprio conhecimento, bem como a capacidade de
reconhecer.
Não
se deve esquecer, ainda, que sem este (re)conhecimento sequer poderíamos
produzir ou viver uma civilização. Desse modo, reconhecimento é conhecimento.
Acredito— uma
vez que não tenho como aferir o nível de satisfação dos leitores— que bastam
estes argumentos para mostrar que o conhecimento não só é possível, como é
real, sem esquecer conforme mostramos que conhecimento possível é conhecimento
real; este entendido como conhecimento do próprio conhecimento.
1.4 VERDADE, LÓGICA E REALIDADE
Até o
presente tópico ainda não conceituamos o que se entende por verdade. Faremos
isto assim que enfrentarmos as questões referentes à Lógica e sua relação com a
verdade. O problema pode ser exposto dessa forma: a verdade não parece admitir contradições
em sua estrutura. Ao mesmo tempo a realidade que ela descreve transparece cheia
de contradições.
Quando
se vai verificar o meio social nota-se um grande distanciamento entre o que a
verdade exige e o que é apresentado. Alguns acabam não acreditando na verdade,
pois na prática tudo é ilógico ou alógico. Nesse sentido, a lógica é essencial à
verdade ou ainda: a verdade carece de/ou é lógica?
Se
dissermos que a realidade é cheia de contradições, afirmamos uma verdade que não
possui contradições. Ademais, a verdade em si mesma não pode possuir contradições,
pois a coerência é um de seus atributos. A questão é que essa coerência é
estabelecida não entre os objetos aos quais a verdade se refere, mas
entre a verdade e o objeto que a ela corresponde.
Nesse
sentido, não há contradição entre a verdade que afirma que a realidade é cheia
de contradições e a realidade mesma referida na frase. Contudo, há contradição entre
os elementos da realidade, isto é, entre os elementos que a verdade afirma que
entre eles existem contradições. Desse modo a falta de coerência nas coisas não
destrói a verdade, mas a afirma, na medida em que se fala a verdade a respeito
dessas mesmas coisas.
1.5 VERDADE E CONHECIMENTO VERDADEIRO
Cumpre
responder à questão do que é verdade e se esta é o mesmo que conhecimento
verdadeiro. Verdade é a qualidade da afirmação que corresponde perfeitamente ao
objeto que se refere na realidade. Toda verdade é relativa? Isso é correto se
se considera essa relação existente entre o objeto da verdade e a verdade do
objeto. Só nesse sentido.
Se
alguma coisa é afirmada acerca de alguma coisa, e essa afirmação for verdadeira,
nada poderá alterar ou mudar a validade da afirmação. Se a coisa mudar a
afirmação permanecerá válida, pois ao tempo da afirmação a coisa estava correspondendo
ao enunciado verdadeiro.
De
sorte que não importa o transcurso do tempo, ou a mudança de estado das coisas,
aquela verdade tendo sido dita e correspondendo perfeitamente à realidade referida,
não poderá ser destruída ou invalidada. A verdade poderá se tornar ineficaz, oculta,
até mesmo sem nenhum préstimo, porém não poderá tornar-se nunca em mentira.
Parece
óbvio que a verdade expressa um conhecimento verdadeiro, pois tudo que se
afirma ou nega a respeito de qualquer coisa, se for verdade é conhecimento, é
informação, muito embora, possa não ter sido provada ou testada. Como vimos, o
fato de alguma verdade, seja ela uma crença, seja uma evidência, seja uma
percepção, não ter passado por um teste ou experiência comprobatória, não
influencia em nada seu caráter de verdade.
Com
efeito, uma coisa é a afirmação verdadeira, que preencha os requisitos para ser
verdade, outra coisa são as provas que eventualmente irá se fazer para
averiguar a veracidade ou não de uma informação. E outra coisa são os argumentos
através dos quais a verdade será dita para que se possa convencer alguém.
É
possível nesse sentido, que verdades nunca sejam ditas. Nem por isso terão deixado
de existir no espírito de quem as sabes. Quem for falar a verdade escolhe os meios
para tanto e, deve fazer uma escolha entre os meios mais eficazes para essa
comunicação.
1.6 VERDADE, REGRAS E DEVER-SER
Por
fim, não é incomum presenciarmos alguém afirmando que se deve agir deste
ou daquele modo, para que a verdade seja satisfeita, ou porque a verdade assim
o exige. Seriam duas espécies de verdade? Seria uma única espécie com duas
faces?
Com
efeito, afirmamos a pouco que a verdade é uma afirmação ou negação que corresponde
a um determinado objeto na realidade. Se a verdade é descritiva, donde sai essa
sua capacidade de ditar regras? A verdade é sempre descritiva.
Quando
alguém afirma que se deve agir de acordo com a verdade, ele toma como parâmetro
um dos modos estáticos da verdade. Haja com sinceridade, significa haja de
acordo com algo preestabelecido, já descrito e emoldurado num modo de ser
chamado “sincero”. Por isso a verdade sempre é, e nunca deve-ser.
Quem deve-ser somos nós, porquanto não estamos de acordo com a verdade.
Sendo assim, não existem duas verdades, uma do Ser e outra do Dever-Ser, pelo
contrário, toda verdade é. O que existe é uma desconformidade entre o
Ser da verdade e o ser das pessoas e das coisas. Se não somos, devemos
ser; a verdade, porém, é.
Mas
de onde surge o dever-ser? Surge por certo, da violação do ser. Quando o ser é
violado, é necessário que se restabeleça o status quo ante. É formulada,
então uma norma, uma regra visando recompor o ser violado. Isto não é apenas
lógico, é fático.
A ordem
das coisas é sempre dada antes, e as possíveis violações também. Em uma dada
ordem de coisas, sempre haverá um elemento de manutenção que justifica a existência
implícita de um elemento de possível dissolução. Por isso, na ordem mesma já
está colocado o potencial de sua destruição, e nesse sentido, ela já fornece juntamente
o meio de manutenção e, caso ocorra a violação, o meio de restauração.
Nesse
sentido, a verdade é sempre descrição de um fato, de um objeto, e da ordem
preestabelecida, havendo múltiplos objetos descritos. A verdade descreve, e só é
interessante a descrição, se for verdadeira.
De um
lado a verdade descreve a ordem que já é, conforme estabelecida e descoberta
pelos homens, e de outro lado, a verdade descreve a realidade sobre o
qual impera o deve-ser, conforme pervertida pelos homens e divorciada do
ser. Nestas descrições, surge o abismo, a diferença entre uma e outra, que
exige a norma.
A norma,
por sua vez, se exige corretamente a restauração da ordem, está conforme a verdade
já posta. Contudo, a norma deverá observar os meios corretos de restauração,
caso contrário, trará mais violações e sofrimentos. Diante do exposto, observa-se que não há
confusão alguma entre verdade e dever-ser, entre norma e violação, entre
verdade e norma.
[1]
Extraído e adaptado do primeiro capítulo do Livro RODRIGUES; Natan Costa. Filosofia
do Ser Humano: o que é essência e o que é Essencial. Ebook. 2020.
Disponível em: https://www.amazon.com.br/gp/product/B09MRGV3PP/ref=dbs_a_def_rwt_bibl_vppi_i2
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