Por Natan Costa Rodrigues
1.
DISTINÇÕES CONCEITUAIS
1.1.
Noções históricas
O tema em análise tem relação
direta com as transformações pelas quais o Estado passou em sua estrutura e,
sobretudo na sua finalidade de existência. O advento das doutrinas sociais no
século XVIII, e do socialismo científico do século seguinte, talvez possam ser
elencadas como as correntes de maior impacto nesse cenário.
No século XIX, o Estado era essencialmente responsável por garantir a paz externa e a segurança interna do país, sobressaindo sobre tudo isso, a sua postura abstensiva, ou seja, de não intervir, seja na economia, seja na propriedade privada.
Conforme os relatos
históricos de Tocqueville (Ensaio sobre a Pobreza)[1],
as ações de cunho social cabiam aos indivíduos organizados juntamente com as
igrejas, havendo a proeminência da caridade privada, o Estado apenas regulava
as relações, sendo esta a situação da Inglaterra nos séculos que antecederam o
advento do Estado de Bem estar-social.
Conforme apontado pela doutrina,
foi o surgimento de novas demandas, o amadurecimento do constitucionalismo e a
influência das doutrinas socialistas que alteraram a feição estatal, para
abrigar entre as suas funções a de erradicar as desigualdades sociais,
introduzindo o conceito de Justiça Social. Nesse sentido Carvalho Filho:
Historicamente, a
propriedade constituiu verdadeiro direito natural, sendo erigida a direito
fundamental nas declarações de direito da época do constitucionalismo. As
tendências socializantes, porém, alteraram a fisionomia da propriedade, e
muitos ordenamentos jurídicos firmaram o postulado ortodoxo de que a
propriedade tinha caráter provisório até que se chegasse à coletivização em massa.
Modernamente se tem assegurado a existência da propriedade como instituto
político, mas o conteúdo do direito de propriedade sofre inúmeras limitações no
direito positivo, tudo para permitir que o interesse privado não se sobreponha
aos interesses maiores da coletividade.[2]
A isto se deve acrescentar o
impacto trazido pelas duas grandes guerras mundiais. Convêm perceber ainda que
em certos aspectos, as desigualdades sociais provenientes das relações de
mercado, ou seja, a distribuição desigual da riqueza gerada no trabalho foi
questão importante a justificar a intervenção do Estado na economia. Os
teóricos liberais, sobretudo economistas como F. A. Hayek e Ludwig Von Mises,
nunca viram com bons olhos o intervencionismo estatal, e defendiam a
intervenção econômica em hipóteses mínimas e taxativas.[3]
A ampliação do catálogo de
direitos, resultantes das sucessivas transformações sociais, levaram as
constituições seguintes a incorporarem nos seus textos novos direitos e
obrigações ao Estado, fazendo com que este passasse a assumir uma posição
determinante dentro da sociedade, ou seja, a condição de garantidor dos
direitos fundamentais individuais e coletivos. De outra banda, isso levou com
que o Estado condicionasse o exercício de direitos clássicos, como o de
propriedade, ao preenchimento de finalidades como a função social, ao
atendimento dos fins coletivos, objetivos esses, que na seara do Direito
administrativo consubstanciam-se no princípio da supremacia do interesse
público.
É dentro desse quadro, portanto,
que as intervenções do Estado na Propriedade Privada e na Economia são
delineadas. Cumpre esclarecer antes de passar a análise das disposições
constitucionais pertinentes, o conceito de Propriedade.
1.2.
Propriedade Privada e intervenção estatal
Na seara civilista o conceito de
propriedade é entendido como uma faculdade/poder de usar, gozar e dispor de
qualquer coisa sua, com exceção de qualquer outro, bem como de reavê-la de quem
quer que injustamente a possua ou a detenha. No campo filosófico tem acepções
diversas, para Proudhon, filósofo anarquista, é um roubo, para filósofos como
Hume é um Direito natural, para outros como Rosseau, resulta de uma convenção (teoria
do contrato social).
Paulo Nader[4]
citando Belime assevera que este, a considera o fundamento do direito e da
moral, visto que a primeira noção de certo e errado, baseia-se na distinção do
que é meu e do que é seu. Por fim a Propriedade é um fato do mundo, que independente
das consequências está submetido à principiologia do direito constitucional.
2.
CONCLUSÃO
Cumpre consignar à guisa de
conclusão a interessante lição de Mateus Carvalho, para quem a propriedade
ainda retém o caráter absoluto:
Verifica-se, portanto,
que a garantia da propriedade deve ser respeitada como direito fundamental,
definido na Carta Magna, insuscetível de aniquilação. No entanto, como forma de
condicionar o exercício deste direito ás necessidades públicas, a lei poderá regulamentar
sua utilização, definindo normas a serem observadas pelo proprietário. [5]
Em suma, dentro dos parâmetros
constitucionais é legítima a intervenção do Estado na Propriedade, seja quando
o proprietário não à utiliza de forma a alcançar a função social, seja quando
por razões de interesse público deva se promover a desapropriação da
propriedade particular. Sobre este último aspecto, é ilustrativo a lição de
Carvalho Filho:
Por fim, não é demais
lembrar que a Constituição contempla o instituto da desapropriação, que não
deixa de ser o mais draconiano modo de intervenção na propriedade, vez que a
retira do domínio do proprietário para inseri-la no patrimônio do Estado.[6]
Ante todo o exposto, respeitados
os parâmetros constitucionais, mormente os princípios explícitos e implícitos constantes
do texto constitucional, bem a razoabilidade e proporcionalidade, resta
possível e legítima a intervenção estatal na propriedade privada.
[1]
Tocqueville, Alexis. Ensaio sobre a Pobreza. Tradução: Juliana Lemos. Editora
Univer Cidade. 2003. Pag. 76
[2] Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de
direito administrativo. – 30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas,
2016. Pag. 995 (ebook)
[3]
Mises, Ludwig Von. Intervencionismo-uma análise econômica. Tradução: Roberto
Frendt. Pag. 4. Disponível em: https://www.institutoliberal.org.br/galeria-de-autores/ludwig-von-mises/
[4]
Nader, Paulo Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas. – 7. ed.
rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. Pag. 100 (ebook)
[5]
Carvalho, Mateus. Manual de Direito Administrativo. 2° ed. Ver. Amp. E atual.
Juspodvm. Bahia. 2015. Pag. 990
[6]
Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 30. ed.
rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. Pag. 997.
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