quarta-feira, 13 de outubro de 2021

INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE PRIVADA: DISTINÇÕES CONCEITUAIS E LEGITIMIDADE

 Por Natan Costa Rodrigues



1.    DISTINÇÕES CONCEITUAIS

1.1.       Noções históricas

O tema em análise tem relação direta com as transformações pelas quais o Estado passou em sua estrutura e, sobretudo na sua finalidade de existência. O advento das doutrinas sociais no século XVIII, e do socialismo científico do século seguinte, talvez possam ser elencadas como as correntes de maior impacto nesse cenário.

No século XIX, o Estado era essencialmente responsável por garantir a paz externa e a segurança interna do país, sobressaindo sobre tudo isso, a sua postura abstensiva, ou seja, de não intervir, seja na economia, seja na propriedade privada. 

Conforme os relatos históricos de Tocqueville (Ensaio sobre a Pobreza)[1], as ações de cunho social cabiam aos indivíduos organizados juntamente com as igrejas, havendo a proeminência da caridade privada, o Estado apenas regulava as relações, sendo esta a situação da Inglaterra nos séculos que antecederam o advento do Estado de Bem estar-social.

Conforme apontado pela doutrina, foi o surgimento de novas demandas, o amadurecimento do constitucionalismo e a influência das doutrinas socialistas que alteraram a feição estatal, para abrigar entre as suas funções a de erradicar as desigualdades sociais, introduzindo o conceito de Justiça Social. Nesse sentido Carvalho Filho:

Historicamente, a propriedade constituiu verdadeiro direito natural, sendo erigida a direito fundamental nas declarações de direito da época do constitucionalismo. As tendências socializantes, porém, alteraram a fisionomia da propriedade, e muitos ordenamentos jurídicos firmaram o postulado ortodoxo de que a propriedade tinha caráter provisório até que se chegasse à coletivização em massa. Modernamente se tem assegurado a existência da propriedade como instituto político, mas o conteúdo do direito de propriedade sofre inúmeras limitações no direito positivo, tudo para permitir que o interesse privado não se sobreponha aos interesses maiores da coletividade.[2]

A isto se deve acrescentar o impacto trazido pelas duas grandes guerras mundiais. Convêm perceber ainda que em certos aspectos, as desigualdades sociais provenientes das relações de mercado, ou seja, a distribuição desigual da riqueza gerada no trabalho foi questão importante a justificar a intervenção do Estado na economia. Os teóricos liberais, sobretudo economistas como F. A. Hayek e Ludwig Von Mises, nunca viram com bons olhos o intervencionismo estatal, e defendiam a intervenção econômica em hipóteses mínimas e taxativas.[3]

A ampliação do catálogo de direitos, resultantes das sucessivas transformações sociais, levaram as constituições seguintes a incorporarem nos seus textos novos direitos e obrigações ao Estado, fazendo com que este passasse a assumir uma posição determinante dentro da sociedade, ou seja, a condição de garantidor dos direitos fundamentais individuais e coletivos. De outra banda, isso levou com que o Estado condicionasse o exercício de direitos clássicos, como o de propriedade, ao preenchimento de finalidades como a função social, ao atendimento dos fins coletivos, objetivos esses, que na seara do Direito administrativo consubstanciam-se no princípio da supremacia do interesse público.

É dentro desse quadro, portanto, que as intervenções do Estado na Propriedade Privada e na Economia são delineadas. Cumpre esclarecer antes de passar a análise das disposições constitucionais pertinentes, o conceito de Propriedade.

1.2.       Propriedade Privada e intervenção estatal

Na seara civilista o conceito de propriedade é entendido como uma faculdade/poder de usar, gozar e dispor de qualquer coisa sua, com exceção de qualquer outro, bem como de reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou a detenha. No campo filosófico tem acepções diversas, para Proudhon, filósofo anarquista, é um roubo, para filósofos como Hume é um Direito natural, para outros como Rosseau, resulta de uma convenção (teoria do contrato social).

Paulo Nader[4] citando Belime assevera que este, a considera o fundamento do direito e da moral, visto que a primeira noção de certo e errado, baseia-se na distinção do que é meu e do que é seu. Por fim a Propriedade é um fato do mundo, que independente das consequências está submetido à principiologia do direito constitucional.

2.    CONCLUSÃO

Cumpre consignar à guisa de conclusão a interessante lição de Mateus Carvalho, para quem a propriedade ainda retém o caráter absoluto:

Verifica-se, portanto, que a garantia da propriedade deve ser respeitada como direito fundamental, definido na Carta Magna, insuscetível de aniquilação. No entanto, como forma de condicionar o exercício deste direito ás necessidades públicas, a lei poderá regulamentar sua utilização, definindo normas a serem observadas pelo proprietário. [5]

Em suma, dentro dos parâmetros constitucionais é legítima a intervenção do Estado na Propriedade, seja quando o proprietário não à utiliza de forma a alcançar a função social, seja quando por razões de interesse público deva se promover a desapropriação da propriedade particular. Sobre este último aspecto, é ilustrativo a lição de Carvalho Filho:

Por fim, não é demais lembrar que a Constituição contempla o instituto da desapropriação, que não deixa de ser o mais draconiano modo de intervenção na propriedade, vez que a retira do domínio do proprietário para inseri-la no patrimônio do Estado.[6]

Ante todo o exposto, respeitados os parâmetros constitucionais, mormente os princípios explícitos e implícitos constantes do texto constitucional, bem a razoabilidade e proporcionalidade, resta possível e legítima a intervenção estatal na propriedade privada.



[1] Tocqueville, Alexis. Ensaio sobre a Pobreza. Tradução: Juliana Lemos. Editora Univer Cidade. 2003. Pag. 76

[2]  Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. Pag. 995 (ebook)

[3] Mises, Ludwig Von. Intervencionismo-uma análise econômica. Tradução: Roberto Frendt. Pag. 4. Disponível em: https://www.institutoliberal.org.br/galeria-de-autores/ludwig-von-mises/

[4] Nader, Paulo Curso de direito civil, volume 4: direito das coisas. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2016. Pag. 100 (ebook)

[5] Carvalho, Mateus. Manual de Direito Administrativo. 2° ed. Ver. Amp. E atual. Juspodvm. Bahia. 2015. Pag. 990

[6] Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. – 30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. Pag. 997.

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