sábado, 10 de junho de 2023

COSMOVISÃO: O QUE É, E O QUE HÁ PARA ALÉM DELA.


por Natan Costa Rodrigues



Cosmovisão ou Visão de Mundo é o termo que define um conjunto de preconcepções, valores, pressupostos lógicos e dogmas que condicionam a forma como alguém interage, compreende, e se desenvolve no mundo. Em termos simples, é a lente pela qual alguém entende o exterior e o seu próprio mundo interno. A forma como o indíviduo concebe o mundo está diretamente associado ao seu fundo comum lógico-valorativo.

Ao longo da história grandes teorias, doutrinas, filosofias e religiões foram forjadas e, algumas pela sua amplitude, conseguiram abarcar dentro de si as demais, ao ponto de se transformarem em cosmovisões. 

Para o indivíduo, a Cosmovisão é o conteúdo que condiciona a sua visão, mas em si mesma a Cosmovisão é um sistema abrangente de dogmas, valores e pressupostos que oferecem um meio abrangente, satisfatório e estável de lidar com o mundo exterior. Dito de outra forma, uma Cosmovisão possibilita alocar as diversas categorias da realidade dentro de seus pressupostos e paradigmas. Tomemos como exemplo e, de forma genérica, a Cosmovisão Cristã do mundo (vide Adendo ao fim deste Artigo):

1. Dentro dessa Cosmovisão, Deus é o Criador do Universo e tudo o que nele há. Ele é a fonte de toda bondade e justiça, mas também criou as trevas e o mal. Para Ele a luz e as trevas são a mesma coisa;

2. No Cristianismo, o mal é explicado por uma série de fatores, como o Livre-arbítrio humano, a Soberania divina e a Pedagogia do Sofrimento;

3. Ensina ainda que os valores morais são absolutos, embora se manifestem de forma relativa no mundo humano. A justiça é conceituada, simplificadamente, como "dar a cada um o que é seu", seja este "cada um" um indíviduo ou um grupo. Outrossim, a verdade é a equivalência formal do que é dito com a realidade, com os fatos. O Cristianismo admite e reconhece os Primeiros Princípios da Lógica e os Princípios autoevidentes;

4. Com relação à vida prática do ser humano, o Cristianismo ordena a todos: o trabalho com as próprias mãos e o combate à preguiça; o respeito a propriedade alheia; o exercício do amor e da misericórdia no repartir do "pão", ou seja, do que é seu; a responsabilidade individual de cada um pelo que fizer; a monogamia; a obediência a Deus e aos seus mandamentos; o afastar-se das obras más (roubar, matar, corromper-se, mentir, difamar, idolatria, feitiçaria etc.). O Cristianismo bíblico ainda condena a chamada "homossexualidade". Explica a exploração humana pelo advento do Pecado, que é a transgressão as leis morais de Deus e da convivência com o próximo. Além do Pecado, explica a maldade e exploração dos mais pobres pela presença individual ou grupal do amor ao dinheiro, cobiça, ganância, inveja, orgulho e sede pelo poder; ordena, ademais, que os humanos se amem uns aos outros e pratiquem a caridade, o respeito e a compaixão;

5. Por fim, quanto à Liberdade e à Igualdade, o Cristianismo ensina que todos os humanos são criaturas feitas por Deus, portanto iguais em dignidade e origem. Os humanos são livres por Criação, sendo criaturas morais, com capacidade de escolher. Respondem por seus atos, omissões e palavras. Em suma, o livre-arbítrio é a doutrina cristã que ensina que cada um pode viver como bem entender, mas responderá pelas suas ações e sofrerá as consequências (lei da semeadura);

No entanto, se buscarmos outra Cosmovisão, a exemplo da ateísta ou materialista, teremos um quadro diametralmente oposto. Vejamos o Comunismo tomado de forma genérica e típica (vide Adendo ao fim deste Artigo):

1. Nessa Cosmovisão, em especial para o seu fundador, Karl Marx, Deus não existe e a Religião é o ópio do povo. A religião é um instrumento de dominação e exploração das classes mais baixas. O universo é materialista, só existe a matéria, e o mundo é explicado pela Ciência. O Comunismo Marxista clássico possui três pilares: a) Ateísmo; b) Materialismo (método histórico-dialético); c) Divisão e Luta de Classes (motor da história);

2. O mal é consequência da forma como a sociedade humana está estruturada, sendo o berço da maldade a Família Patriarcal, ajudada pela moral Judaico-Cristã, e pela Lógica dita "Ocidental". O mal é o resultado de condições objetivas de Produção da Vida Social, da Divisão Social do Trabalho. Logo o mal será vencido quando as condições objetivas da existência forem alteradas. Daí a necessidade constante da Revolução como forma de reorganizar, ressignificar, desconstruir (destruir em essência) e redefinir as coisas, valores, e demais categorias das demais Cosmovisões;

3. O Comunismo, grosso modo, não admite a existência de valores morais absolutos, dado o ateísmo de base e o relativismo moral. No entendimento comunista, a moral é produto das condições objetivas da existência e servem para legitimar a exploração. Os moralistas são hipócritas em grande parte e desejam somente resguardar o seu status quo. Logo, os valores morais devem ser pervertidos ou destruídos. A justiça não é um valor moral absoluto, pelo contrário, no Comunismo, em especial nas Ditaduras, justo é o que serve para o avanço da Revolução, do Partido ou simplesmente da Causa Comunista. Dito de modo claro: seja o que for: Ditadura, censura, pilhagens, roubos, corrupção, assassinatos etc., se for pelo bem e pelo progresso do Comunismo ou do Partido, é moralmente correto e justo. Quanto à Verdade, ela é o que o Partido ou Governo Comunista deseja que seja. A Verdade é fixada pelo Partido ou Revolução. Ela, inicialmente, foi concebida nos termos clássicos e ortodoxos, principalmente no Socialismo Científico de Marx e Engels, e isto porque se desejava firmar o Comunismo como Ciência. Não obstante, uma vez firmado o movimento e popularizado nos Sindicatos, agremiações, partidos e guerrilhas, a Verdade se tornou a simples narrativa que prevalece, uma peça de propaganda. Ou seja, a "verdade" perdeu o seu caráter objetivo e ganhou um dono, os editores da sociedade Comunista, uma sociedade feita sob medida pelo Homem/Partido e para os anseios da Militância/Revolução.

4. Com relação à vida prática, o Comunismo tende constantemente para: a) a substituição da propriedade privada pela propriedade coletiva (estatal em quase todas as experiências) dos meios de produção; b) a divisão igualitária (na prática, geralmente, distribuição) dos produtos socialmente produzidos e, portanto, o nivelamento econômico da sociedade; c) a abolição, por conseguinte, das classes sociais; d) abolição da religião e dos cultos (na maioria das experiências comunistas, a perseguição religiosa é a tônica) e) quanto as obras más no Comunismo, são aquelas que atentam contra o Partido, o Regime Comunista/Socialista ou a Revolução. Caso a atitude não ofereça perigo ao Regime, ela não será objeto de atenção, ficando restrita à esfera da pessoa ou do grupo. Isto posto, qualquer coisa pode ser má, visto que o parâmetro é a mera contrariedade ao Regime. A amplitude do parâmetro permite uma variação constante naquilo que é proibido ou permitido conforme as conveniências dos mandatários. Em um contexto, ser homossexual é vantajoso e então a prática é promovida, em outro contexto, a mesma atitude renderá fuzilamentos e execuções;

5. Por fim, no Comunismo, a igualdade de todos os humanos se dar perante a avaliação do Partido, Regime ou Revolução. Idealmente, no ápice do processo, ninguém deveria concentrar propriedades, todos deveriam possuir seus corpos e trabalhar nas empresas coletivas, desfrutando igualmente dos bens produzidos. Na prática, entretanto, geralmente acontece o seguinte: forma-se uma elite governamental, que desfruta do bom e do melhor (os mais iguais que os outros) e uma plêiade de miseráveis que dependem da distribuição de alimentos, e outros víveres do governo (os menos iguais). A liberdade, consiste em fazer o que o Regime permite e autoriza. Qualquer coisa que ameace a existência do Comunismo é intolerável. Estes dois parâmetros balizam o respeito;

Seguindo a análise, se as Cosmovisões englobam tudo, pode haver alguma coisa além delas? 

A resposta é, SIM. A Cosmovisão não é a primeira coisa que existe e, aliás, para que uma Cosmovisão possa existir é necessário que ela se subordine à auto evidência da realidade. Existem determinados Princípios que, mesmo que Cosmovisões os reconheçam ou negue-lhes a existência, eles simplesmente existem. Diz-se que são autoevidentes, porque não se pode negá-los sem que, ao mesmo tempo, eles sejam afirmados.

Se pode dizer que o Sol não existe ou que ele existe, contudo, nem uma coisa e nem outra faz o Sol existir. Coisa parecida acontece na relação dos Princípios e Verdades autoevidentes e as Cosmovisões. Figurativamente, quando uma pessoa reconhece que o Sol existe, ela não faz o Sol existir, apenas reconhece um fato da realidade.

De fato, a maior ou menor aceitação e adequação de uma Cosmovisão, depende da quantidade, qualidade e importância dos fatos que ela aceita, reconhece e das explicações que fornece. 

Ante o exposto, que Princípios autoevidentes são esses que servem de critério para avaliar até mesmo as Cosmovisões. Vamos ver:

1. Primeiros Princípios da Lógica e da Filosofia - em geral, são admitidos três princípios, que, no entanto, se desdobram seguramente em dois principais: Princípio da Identidade e Princípio da Não-Contradição. O da Identidade, afirma que o que é, é e o que não é, não é. Portanto, uma coisa não pode ser e não-ser, ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto e em um mesmo sentido (Não-Contradição). Por exemplo, se digo: "eu estou sentado", obviamente eu não posso estar em pé ao mesmo tempo. Mas alguém pode dizer: "você está sentado fisicamente e em pé espiritualmente". Nesse caso, não se tem uma violação aos Princípios em questão, pois eu tenho, ao mesmo tempo, duas posturas diferentes, mas não no mesmo sentido ou aspecto. Com efeito, fisicamente, só posso estar sentado e nunca em pé ao mesmo tempo. Mas alguém pode dizer: "espiritualmente, em relação ao conhecimento, estou sentado, mas quanto à recepção do conhecimento, estou de pé". Novamente, não há violação aos Princípios, visto que embora, espiritualmente e ao mesmo tempo, você tenha atitudes diversas, mas não será no mesmo aspecto e nem no mesmo sentido. Cumpre ainda esclarecer que uma Cosmovisão para ser identificável e aceita, precisa dizer o que ela é e o que ela não é, respeitando os Princípios, portanto. Se ela diz que os Primeiros Princípios não existem, ela está afirmando um estado de certeza sobre a inexistência de algo, ou seja, está dizendo que o que não é, não é, portanto, respeito ao Princípio da Identidade. Ao mesmo tempo, se a Cosmovisão garante que os Primeiros Princípios não existem, ela deixa claro que eles não podem existir ao mesmo tempo, do contrário cairia em descrédito e não seria aceita, logo ela respeita, ainda que não admita, a Não-Contradição.

2. Verdade Objetiva - A Verdade não tem dono. E se alguém diz possuir a Verdade, provavelmente o que ele possui é uma mentira. A objetividade da Verdade prevê que não se pode, previamente, dizer a quem ela aproveita. Ela está aí, como fato, e não como uma peça conscientemente produzida no jogo. Esse caráter objetivo da Verdade é tão importante que o controle do que é dito, difundido, reproduzido e escrito se torna fundamental na implantação de uma Ditadura. Controlar a informação, engendrar "verdades", enviesar fatos etc., tudo isso faz parte do projeto autoritário. A questão é que todas as mentiras produzidas são passadas como a mais absoluta Verdade e, aliás, para que a população aceite essas mentiras fabricadas pelo Regime, as "verdades" precisam ser absolutas. Pois imagine, se outro país confirmar e comprovar que a Verdade é diferente do que se propaga. Nesse caso, incide a Não-Contradição: alguém está mentindo, mas as duas versões propagadas não podem ser verdade ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto e no mesmo sentido. Já abordamos longamente acerca da Verdade e suas implicações em outro artigo, para onde remetemos o leitor através do link: https://natanrodriguesadv.blogspot.com/2023/03/primeiras-distincoes-verdade.html;

3. Objetividade dos Fatos - Os fatos são fatalidades. Tudo, em certo sentido, são fatos. A mentira é um fato, a Verdade é um fato, as dissimulações são fatos, os bons valores são fatos etc. Dito isto, não se pode, de forma pura, "criar fatos", pois ao criar você já está realizando o fato da "criação". Assim o fato é sempre inescapável, não pode ser negado, sem ser afirmado. Logo, sempre que a Cosmovisão propaga 1 fato inverídico, 2 fatos verdadeiros são sempre afirmados: o primeiro, o fato de que o fato inverídico foi produzido; segundo, o fato ocultado e verdadeiro, por ser realidade, é afirmado;

4. Ordem do Cosmos - Independente da admissão de um Criador, existem leis físicas, morais e espirituais que orientam o Universo e os seus elementos. Tal Ordem do Cosmos, não pode ser anulada ou pervertida, pois não é suscetível à influência de seus próprios elementos. Em certo sentido, é logicamente impossível que um elemento que, cresceu e se desenvolveu segundo a Ordem do Cosmos, aja contra essa própria ordem. Explico: a Cosmovisão só existe porque a Ordem permite a sua existência, e todas as suas virtuais ações só acontecem porque na Ordem do Cosmo são possíveis de acontecer, logo, embora a Cosmovisão negue que haja uma Ordem no Mundo, o fato é que somente essa própria Ordem do Mundo, permite essa negação. Para negar a Ordem, é preciso confirmá-la pelo seu uso.

Concluindo, pode-se dizer que uma Cosmovisão é mais bem avaliada quando ela é confrontada com os Princípios autoevidentes e, só deve ser aprovada, quando se harmoniza com eles, seja pelo reconhecimento, seja pela admissão e conformação.

ADENDO: Tanto a Cosmovisão Cristã quanto a Comunista possuem inúmeras variações e nuances que se manifestarão individualmente conforme a presença de outros fatores. O artigo em pauta, tomou os tipos, mais ou menos puros, dentro de uma perspectiva weberiana para análise e confronto. Um fato interessante é que, em muitos indivíduos, as Cosmovisões em pauta se fundem formando uma terceira Cosmovisão com diversos nomes (Teologia da Libertação; Esquerda Cristã etc.). Este grupo, geralmente aceita as conclusões do Comunismo, mais rejeita os meios para atingi-los, pugnando pelo uso de meios pacíficos para alcançar o ápice da Revolução. Por outro lado, dentro do próprio Comunismo, constam táticas diferenciadas para se alcançar a Revolução, destacando-se a político-ideológica de Gramsci e a violenta de Marx e Lenin.


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