por Natan Costa Rodrigues
Cosmovisão ou Visão de Mundo é o termo que define um conjunto de preconcepções,
valores, pressupostos lógicos e dogmas que condicionam a forma como alguém interage,
compreende, e se desenvolve no mundo. Em termos simples, é a lente pela qual
alguém entende o exterior e o seu próprio mundo interno. A forma como o
indíviduo concebe o mundo está diretamente associado ao seu fundo comum
lógico-valorativo.
Ao longo da história grandes teorias, doutrinas, filosofias e religiões foram forjadas e, algumas pela sua amplitude, conseguiram abarcar dentro de si as demais, ao ponto de se transformarem em cosmovisões.
Para o indivíduo, a Cosmovisão é o conteúdo que condiciona a sua visão, mas em si mesma a Cosmovisão é um sistema abrangente de dogmas, valores e pressupostos que oferecem um meio abrangente, satisfatório e estável de lidar com o mundo exterior. Dito de outra forma, uma Cosmovisão possibilita alocar as diversas categorias da realidade dentro de seus pressupostos e paradigmas. Tomemos como exemplo e, de forma genérica, a Cosmovisão Cristã do mundo (vide Adendo ao fim deste Artigo):
1. Dentro dessa Cosmovisão, Deus
é o Criador do Universo e tudo o que nele há. Ele é a fonte de toda bondade e
justiça, mas também criou as trevas e o mal. Para Ele a luz e as trevas são a
mesma coisa;
2. No Cristianismo, o mal é
explicado por uma série de fatores, como o Livre-arbítrio humano, a Soberania
divina e a Pedagogia do Sofrimento;
3. Ensina ainda que os valores
morais são absolutos, embora se manifestem de forma relativa no mundo humano. A
justiça é conceituada, simplificadamente, como "dar a cada um o que é
seu", seja este "cada um" um indíviduo ou um grupo. Outrossim, a
verdade é a equivalência formal do que é dito com a realidade, com os fatos. O
Cristianismo admite e reconhece os Primeiros Princípios da Lógica e os
Princípios autoevidentes;
4. Com relação à vida prática do
ser humano, o Cristianismo ordena a todos: o trabalho com as próprias mãos e o
combate à preguiça; o respeito a propriedade alheia; o exercício do amor e da
misericórdia no repartir do "pão", ou seja, do que é seu; a
responsabilidade individual de cada um pelo que fizer; a monogamia; a
obediência a Deus e aos seus mandamentos; o afastar-se das obras más (roubar,
matar, corromper-se, mentir, difamar, idolatria, feitiçaria etc.). O Cristianismo bíblico ainda
condena a chamada "homossexualidade". Explica a exploração humana
pelo advento do Pecado, que é a transgressão as leis morais de Deus e da
convivência com o próximo. Além do Pecado, explica a maldade e exploração dos
mais pobres pela presença individual ou grupal do amor ao dinheiro, cobiça,
ganância, inveja, orgulho e sede pelo poder; ordena, ademais, que os humanos se
amem uns aos outros e pratiquem a caridade, o respeito e a compaixão;
5. Por fim, quanto à Liberdade e
à Igualdade, o Cristianismo ensina que todos os humanos são criaturas feitas
por Deus, portanto iguais em dignidade e origem. Os humanos são livres por
Criação, sendo criaturas morais, com capacidade de escolher. Respondem por seus
atos, omissões e palavras. Em suma, o livre-arbítrio é a doutrina cristã que
ensina que cada um pode viver como bem entender, mas responderá pelas suas
ações e sofrerá as consequências (lei da semeadura);
No entanto, se buscarmos outra
Cosmovisão, a exemplo da ateísta ou materialista, teremos um quadro
diametralmente oposto. Vejamos o Comunismo tomado de forma genérica e
típica (vide Adendo ao fim deste Artigo):
1. Nessa Cosmovisão, em especial
para o seu fundador, Karl Marx, Deus não existe e a Religião é o ópio do povo.
A religião é um instrumento de dominação e exploração das classes mais baixas.
O universo é materialista, só existe a matéria, e o mundo é explicado pela
Ciência. O Comunismo Marxista clássico possui três pilares: a) Ateísmo; b)
Materialismo (método histórico-dialético); c) Divisão e Luta de Classes (motor
da história);
2. O mal é consequência da forma
como a sociedade humana está estruturada, sendo o berço da maldade a Família Patriarcal,
ajudada pela moral Judaico-Cristã, e pela Lógica dita "Ocidental". O
mal é o resultado de condições objetivas de Produção da Vida Social, da Divisão
Social do Trabalho. Logo o mal será vencido quando as condições objetivas da
existência forem alteradas. Daí a necessidade constante da Revolução como forma
de reorganizar, ressignificar, desconstruir (destruir em essência) e redefinir
as coisas, valores, e demais categorias das demais Cosmovisões;
3. O Comunismo, grosso
modo, não admite a existência de valores morais absolutos, dado o ateísmo
de base e o relativismo moral. No entendimento comunista, a moral é produto das
condições objetivas da existência e servem para legitimar a exploração. Os
moralistas são hipócritas em grande parte e desejam somente resguardar o
seu status quo. Logo, os valores morais devem ser pervertidos ou
destruídos. A justiça não é um valor moral absoluto, pelo contrário, no
Comunismo, em especial nas Ditaduras, justo é o que serve para o avanço da
Revolução, do Partido ou simplesmente da Causa Comunista. Dito de modo claro:
seja o que for: Ditadura, censura, pilhagens, roubos, corrupção, assassinatos
etc., se for pelo bem e pelo progresso do Comunismo ou do Partido, é moralmente
correto e justo. Quanto à Verdade, ela é o que o Partido ou Governo Comunista
deseja que seja. A Verdade é fixada pelo Partido ou Revolução. Ela,
inicialmente, foi concebida nos termos clássicos e ortodoxos, principalmente no
Socialismo Científico de Marx e Engels, e isto porque se desejava firmar o
Comunismo como Ciência. Não obstante, uma vez firmado o movimento e
popularizado nos Sindicatos, agremiações, partidos e guerrilhas, a Verdade se
tornou a simples narrativa que prevalece, uma peça de propaganda. Ou seja, a
"verdade" perdeu o seu caráter objetivo e ganhou um dono, os editores
da sociedade Comunista, uma sociedade feita sob medida pelo Homem/Partido e
para os anseios da Militância/Revolução.
4. Com relação à vida prática, o
Comunismo tende constantemente para: a) a substituição da propriedade privada
pela propriedade coletiva (estatal em quase todas as experiências) dos meios de
produção; b) a divisão igualitária (na prática, geralmente, distribuição) dos
produtos socialmente produzidos e, portanto, o nivelamento econômico da
sociedade; c) a abolição, por conseguinte, das classes sociais; d) abolição da
religião e dos cultos (na maioria das experiências comunistas, a perseguição
religiosa é a tônica) e) quanto as obras más no Comunismo, são aquelas que
atentam contra o Partido, o Regime Comunista/Socialista ou a Revolução. Caso a
atitude não ofereça perigo ao Regime, ela não será objeto de atenção, ficando
restrita à esfera da pessoa ou do grupo. Isto posto, qualquer coisa pode ser
má, visto que o parâmetro é a mera contrariedade ao Regime. A amplitude do
parâmetro permite uma variação constante naquilo que é proibido ou permitido
conforme as conveniências dos mandatários. Em um contexto, ser homossexual é
vantajoso e então a prática é promovida, em outro contexto, a mesma atitude
renderá fuzilamentos e execuções;
5. Por fim, no Comunismo, a
igualdade de todos os humanos se dar perante a avaliação do Partido, Regime ou
Revolução. Idealmente, no ápice do processo, ninguém deveria concentrar
propriedades, todos deveriam possuir seus corpos e trabalhar nas empresas
coletivas, desfrutando igualmente dos bens produzidos. Na prática, entretanto,
geralmente acontece o seguinte: forma-se uma elite governamental, que desfruta
do bom e do melhor (os mais iguais que os outros) e uma plêiade de miseráveis
que dependem da distribuição de alimentos, e outros víveres do governo (os
menos iguais). A liberdade, consiste em fazer o que o Regime permite e
autoriza. Qualquer coisa que ameace a existência do Comunismo é intolerável.
Estes dois parâmetros balizam o respeito;
Seguindo a análise, se as
Cosmovisões englobam tudo, pode haver alguma coisa além delas?
A resposta é, SIM. A Cosmovisão
não é a primeira coisa que existe e, aliás, para que uma Cosmovisão possa
existir é necessário que ela se subordine à auto evidência da realidade.
Existem determinados Princípios que, mesmo que Cosmovisões os reconheçam ou
negue-lhes a existência, eles simplesmente existem. Diz-se que são
autoevidentes, porque não se pode negá-los sem que, ao mesmo tempo, eles sejam
afirmados.
Se pode dizer que o Sol não
existe ou que ele existe, contudo, nem uma coisa e nem outra faz o Sol existir.
Coisa parecida acontece na relação dos Princípios e Verdades autoevidentes e as
Cosmovisões. Figurativamente, quando uma pessoa reconhece que o Sol existe, ela
não faz o Sol existir, apenas reconhece um fato da realidade.
De fato, a maior ou menor aceitação
e adequação de uma Cosmovisão, depende da quantidade, qualidade e importância
dos fatos que ela aceita, reconhece e das explicações que fornece.
Ante o exposto, que Princípios
autoevidentes são esses que servem de critério para avaliar até mesmo as Cosmovisões.
Vamos ver:
1. Primeiros Princípios
da Lógica e da Filosofia - em geral, são admitidos três princípios, que,
no entanto, se desdobram seguramente em dois principais: Princípio da
Identidade e Princípio da Não-Contradição. O da Identidade, afirma que o que é,
é e o que não é, não é. Portanto, uma coisa não pode ser e não-ser, ao mesmo
tempo, sob o mesmo aspecto e em um mesmo sentido (Não-Contradição). Por
exemplo, se digo: "eu estou sentado", obviamente eu não posso estar
em pé ao mesmo tempo. Mas alguém pode dizer: "você está sentado
fisicamente e em pé espiritualmente". Nesse caso, não se tem uma violação
aos Princípios em questão, pois eu tenho, ao mesmo tempo, duas posturas
diferentes, mas não no mesmo sentido ou aspecto. Com efeito, fisicamente, só
posso estar sentado e nunca em pé ao mesmo tempo. Mas alguém pode dizer:
"espiritualmente, em relação ao conhecimento, estou sentado, mas quanto à
recepção do conhecimento, estou de pé". Novamente, não há violação aos
Princípios, visto que embora, espiritualmente e ao mesmo tempo, você tenha
atitudes diversas, mas não será no mesmo aspecto e nem no mesmo sentido. Cumpre
ainda esclarecer que uma Cosmovisão para ser identificável e aceita, precisa
dizer o que ela é e o que ela não é, respeitando os Princípios, portanto. Se
ela diz que os Primeiros Princípios não existem, ela está afirmando um estado
de certeza sobre a inexistência de algo, ou seja, está dizendo que o que não é,
não é, portanto, respeito ao Princípio da Identidade. Ao mesmo tempo, se a Cosmovisão
garante que os Primeiros Princípios não existem, ela deixa claro
que eles não podem existir ao mesmo tempo, do contrário cairia
em descrédito e não seria aceita, logo ela respeita, ainda que não admita, a
Não-Contradição.
2. Verdade Objetiva -
A Verdade não tem dono. E se alguém diz possuir a Verdade, provavelmente o que
ele possui é uma mentira. A objetividade da Verdade prevê que não se pode,
previamente, dizer a quem ela aproveita. Ela está aí, como fato, e não como uma
peça conscientemente produzida no jogo. Esse caráter objetivo da Verdade é tão
importante que o controle do que é dito, difundido, reproduzido e escrito se
torna fundamental na implantação de uma Ditadura. Controlar a informação,
engendrar "verdades", enviesar fatos etc., tudo isso faz parte do
projeto autoritário. A questão é que todas as mentiras produzidas são passadas
como a mais absoluta Verdade e, aliás, para que a população aceite essas
mentiras fabricadas pelo Regime, as "verdades" precisam ser
absolutas. Pois imagine, se outro país confirmar e comprovar que a Verdade é
diferente do que se propaga. Nesse caso, incide a Não-Contradição: alguém está
mentindo, mas as duas versões propagadas não podem ser verdade ao mesmo tempo,
sob o mesmo aspecto e no mesmo sentido. Já abordamos longamente acerca da
Verdade e suas implicações em outro artigo, para onde remetemos o leitor
através do link: https://natanrodriguesadv.blogspot.com/2023/03/primeiras-distincoes-verdade.html;
3. Objetividade dos
Fatos - Os fatos são fatalidades. Tudo, em certo sentido, são fatos. A
mentira é um fato, a Verdade é um fato, as dissimulações são fatos, os bons
valores são fatos etc. Dito isto, não se pode, de forma pura, "criar
fatos", pois ao criar você já está realizando o fato da
"criação". Assim o fato é sempre inescapável, não pode ser negado,
sem ser afirmado. Logo, sempre que a Cosmovisão propaga 1 fato inverídico, 2
fatos verdadeiros são sempre afirmados: o primeiro, o fato de que o fato
inverídico foi produzido; segundo, o fato ocultado e verdadeiro, por ser
realidade, é afirmado;
4. Ordem do Cosmos -
Independente da admissão de um Criador, existem leis físicas, morais e
espirituais que orientam o Universo e os seus elementos. Tal Ordem do Cosmos,
não pode ser anulada ou pervertida, pois não é suscetível à influência de seus
próprios elementos. Em certo sentido, é logicamente impossível que um elemento
que, cresceu e se desenvolveu segundo a Ordem do Cosmos, aja contra essa
própria ordem. Explico: a Cosmovisão só existe porque a Ordem permite a sua existência,
e todas as suas virtuais ações só acontecem porque na Ordem do Cosmo são
possíveis de acontecer, logo, embora a Cosmovisão negue que haja uma Ordem no
Mundo, o fato é que somente essa própria Ordem do Mundo, permite essa negação.
Para negar a Ordem, é preciso confirmá-la pelo seu uso.
Concluindo, pode-se dizer que
uma Cosmovisão é mais bem avaliada quando ela é confrontada com os Princípios
autoevidentes e, só deve ser aprovada, quando se harmoniza com eles, seja pelo
reconhecimento, seja pela admissão e conformação.
ADENDO: Tanto a Cosmovisão Cristã quanto a Comunista
possuem inúmeras variações e nuances que se manifestarão individualmente
conforme a presença de outros fatores. O artigo em pauta, tomou os tipos, mais
ou menos puros, dentro de uma perspectiva weberiana para análise e confronto.
Um fato interessante é que, em muitos indivíduos, as Cosmovisões em pauta se
fundem formando uma terceira Cosmovisão com diversos nomes (Teologia da
Libertação; Esquerda Cristã etc.). Este grupo, geralmente aceita as conclusões
do Comunismo, mais rejeita os meios para atingi-los, pugnando pelo uso de meios
pacíficos para alcançar o ápice da Revolução. Por outro lado, dentro do próprio
Comunismo, constam táticas diferenciadas para se alcançar a Revolução, destacando-se
a político-ideológica de Gramsci e a violenta de Marx e Lenin.
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