terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Diálogos Filosóficos - Sobre a Paz

 

Por Natan Costa Rodrigues

 

Em meio a um cenário de hostilidades políticas, ânimos divididos e rumores de guerras, dois amigos dialogam sobre o que é a paz.

I

Sensato – Amigo Inquieto, que bom encontraste. Tenho ouvido as últimas notícias acerca de política, economia e guerras pelo mundo afora. Agora a pouco, questionado acerca da paz no Brasil, ia entrar em uma calorosa discussão com um conhecido colega, quando lembrei que não é conveniente aos aspirantes da real sabedoria, o embebedar-se com as paixões presentes nas disputas de palavras. Essas discussões só entorpecem o saber e ninguém pensa nunca nas coisas que está dizendo. Sendo assim amigo, retirei-me e pus-me a pensar, sozinho, sobre o que seria a paz desvinculada de qualquer situação em particular. Sei, no entanto, que não basto a mim mesmo, nem ainda nos meus pensamentos. Lembrei, então, que tenho você como amigo, alguém que olha para a mesma direção que eu. Que você tem o espírito desapegado das paixões facciosas e tomou firmemente o lado da retidão, da verdade e da justiça em tudo o que faz. Assim, desde logo, desejo repartir contigo este fardo. Se quiseres tomá-lo, responde-me: O que é a paz?

Inquieto – Ótima é essa pergunta e excelente o fardo que repartes comigo, tanto mais porque me achastes digno dele. Reconheço que somente aos homens anelantes do saber verdadeiro, interessam essas questões. O mundo está cheio de opiniões conforme vedes, no entanto, o sábio entende que a verdade está acima de toda esta multidão de palavras, acessível somente aos que com sinceridade se põem em marcha na sua direção. Como te parece que devemos iniciar a nossa investigação?

Sensato – Inicialmente, parece claro que devemos ver a que classe de coisas pertence a paz. E do cotejo dos elementos, creio que a paz se trata de um sentimento ou sensação. Concordas com isto?

II

Inquieto - Parece evidente que a paz é um sentimento, mas isto só responde acerca da sua natureza,  não nos mostra a sua definição. Para iniciarmos a investigação deste ponto, entretanto, mostra-se oportuno, desde logo colhermos uma definição popular, uma espécie de consenso das múltiplas opiniões acerca da matéria. Assim à questão: O que é a paz? Podemos defini-la, em sua acepção mais básica e elementar, como a ausência de conflitos.

Sensato - Mas será que o caso de uma Ditadura instaurada em um país, na qual se impede, ao longo de décadas ou séculos, qualquer forma de insurreição; mantendo-se a população sobre forte controle, de forma a neutralizar qualquer tipo de conflito ou discussão acerca do que está estabelecido, se poderia chamar essa situação de um estado de paz?

Inquieto - Parece evidente que não, pois sendo a paz essencialmente bondade, não poderia ser equiparada a uma situação gravosa como essa, onde, de todo modo, subjaz uma violência a assegurar a aparente tranquilidade.

Sensato - Essa violência que subjaz a esse fato, poderia ser definida como um conflito?

Inquieto - Parece que sim, pois embora não seja um conflito aparente, constitui um conflito verdadeiro.

Sensato – Mas e se essa situação de Ditadura perdurar por muitos séculos, sendo a única coisa que as gerações atuais dessa nação conhecem, de sorte que já ninguém cogita de haver qualquer outra forma de liberdade ou de sociedade, vivendo as pessoas, ademais, voluntariamente dessa forma, podemos concordar que haveria paz nesse país?

Inquieto - Parece que não, pois, a essência de qualquer convivência humana é a harmonia e a desarmonia nas relações interpessoais, donde surgem inumeráveis conflitos. Sendo o ser humano dotado de vontades, impossível de se pensar que nalgum tempo não surgiria alguém pedindo explicações acerca do estado do país, e do porquê de não poderem sequer questionar. Aí, forçosamente, haveria algum grau de violência na resposta a afastar qualquer pretensão de paz. Além disso, o simples fato de o governante saber que impõe coercitivamente seu poder a todos, muito embora os outros ignorem isto, basta para mostrar o insustentável conflito e violência que existem.

Sensato - Sendo assim, parece evidente, que somente há paz onde não houver nenhum conflito, sendo certa a definição popular. Certo?

Inquieto - Me parece errado. É preciso considerar que nem todo tipo de conflito gera a ausência de paz. Por exemplo, uma discussão de ideias onde se busca encontrar a verdade ou conhecimento das coisas. Embora carregada de elementos contrários, não se poderia definir tais virtudes como ausência de paz, muito embora se trate de um conflito de ideias.

III

Sensato - Desse modo, soa óbvio que para encontrarmos a definição de paz, será preciso definir primeiro o que seja o conflito, e suas classificações, para então voltarmos a tratar da paz?

Inquieto - Sim. Inicialmente, vamos conceituar o conflito como a ausência de harmonia, o que parece ser uma definição ampla o suficiente para tudo o mais que se vai discutir.

Sensato - Como seria essa definição em termos concretos?

Inquieto - Vejamos que ela pode ser aplicada a qualquer contexto. Na medicina, se vê a desarmonia na ausência de saúde (doença) que é devido a introdução de algum corpo estranho, elemento ou degeneração no corpo. Na música, as notas, se bem ajustadas produzem belas harmonias, mas a introdução de alguma nota errada, poderá gerar um som feio (desarmonia). Assim, me parece suceder em todas as artes.

Sensato - E nas relações humanas como se dá essa situação?

Inquieto - Entre os homens, a desarmonia surge quando não há convergência de entendimento, vontades, hábitos e interesses acerca de qualquer questão ou situação de fato. Vejamos duas pessoas que moram juntas, mas possuem hábitos distintos ou dois amigos que gostam de coisas diferentes. O casal que tem sonhos diferentes, também se inclui aqui, assim como dois filósofos que discordam acerca da origem do conhecimento humano.

Sensato - Tudo isso parece claro, então, como se daria uma classificação dos conflitos, visto que nem todos esses podem gerar uma situação diferente da paz, como a guerra, por exemplo?

Inquieto - Creio que uma primeira classificação, seria diferenciar os conflitos naturais dos conflitos humanos. Pois os primeiros devem ocorrer nas coisas, sem a intervenção de vontades humanas, a exemplo da doença, do envelhecimento, os cataclismas naturais, as desarmonias musicais etc. Já os conflitos humanos decorreriam de uma vontade humana na sua produção, ou seja, ainda que ausente o desejo de litigar contra o próximo, essa modalidade de conflitos, surgiria de um ato de vontade ou vontades.

Sensato - Como se dariam os conflitos humanos?

Inquieto - Uma doença, por exemplo, pode ser tanto um conflito natural quanto humano. Se for decorrente de maus hábitos, não atribuíveis a vontade de ninguém em particular, será um conflito interno do corpo, mas se a sua produção, for induzida por uma pessoa, o conflito então se torna humano.

IV

Sensato - Me vejo assombrado diante desses argumentos. Primeiro por visualizar que o conflito está em tudo: na falta de higiene, saneamento básico, que desarmoniza o ambiente natural, nos lixões etc. Não seria o caso, desses conflitos se encontrarem também no próprio movimento da matéria. Na passagem do quente ao frio, do líquido ao gasoso, já que está presente em um maremoto, por exemplo?

Inquieto - Pensaste bem. De fato, Heráclito já pontificava isto que a guerra é pai de todos, assim como tudo vem do fogo. Mas aí teríamos de incluir uma terceira classificação aos conflitos: as mutações próprias da matéria, pois este difere das corrupções que os corpos sofrem.

Sensato - Que te parece, na própria mutação da matéria, o homem não teria a capacidade de interferir, e assim produzir conflitos humanos?

Inquieto – É correto.

Sensato - Sendo assim, o que em essência qualificaria os conflitos humanos, se até os demais conflitos ele pode converter?

Inquieto - Acredito, que o conflito humano, para além de seu sentido estrito, é o conflito material ou natural, qualificado por uma vontade humana na sua produção, bem como pelas ações e reações humanas consequentes. É que, o ser humano pode, a seu modo, interferir em qualquer coisa neste mundo, conferindo-lhe um certo propósito humano.

Sensato - Certo. Há alguma outra classe de conflitos que devemos acrescentar a estas três?

Inquieto - Penso que sim. Os conflitos supra-humanos, que transcendem o nosso universo próprio. Culturas antiguíssimas o têm mostrado: os egípcios e gregos, deles falam nas suas teogonias; os demais povos mesopotâmios também; entre os hebreus, temos Satanás em conflito contra Deus; em outras culturas tais fatos se repetem. Me parece não ser de bom alvitre ignorá-los, pois se forem reais, devem ter algum impacto em nosso próprio mundo.

V

Sensato - De posse dessas quatro classes de conflitos (mutações da matéria, corrupções naturais, humanos e supra-humanos), onde exatamente se encontraria a paz e a sua ausência?

Inquieto - Penso que em todos. Se dissemos que a paz é a ausência de conflitos, então, restará evidente que onde não houver conflito, ali haverá paz, tomada como sinônimo da harmonia.

Sensato - Mas tomando como base o caso hipotético da ditadura em um país, notamos que, às vezes, a ausência de conflito, e por conseguinte a harmonia, é só aparente. Que diremos então que é a paz?

Inquieto - Podemos concluir que a paz é a ausência de conflitos verdadeiros, o que excluiria os aparentes. Mas, espera. Lembro-me que já tínhamos ressalvados os meros conflitos de palavras como ensejadores de um conflito apto a afastar a paz. Sendo assim, como deveremos proceder?

Sensato - Entendo a tua aflição. Vamos voltar ao ponto anterior e refazer o caminho a fim de vermos onde caímos. Primeiro dissemos que levantaríamos as espécies de conflito, e então buscaríamos a paz. Dissemos que há quatro tipos de conflitos: o decorrente das mutações da matéria, os advindos da corrupção ou fraqueza da natureza, os produzidos pelos humanos e os supra-humanos, capitaneados pelos deuses. Vimos ainda que, somente os conflitos frutos da vontade humana, poderiam ensejar a ausência de paz. Mas aí concluímos que a paz está em tudo, o que abarca os conflitos humanos e não-humanos. Não seria o caso, então, de classificarmos a própria paz? Ou seja, há um só tipo de paz?

Inquieto - Perfeito. Diante das conclusões antecedentes, parece mesmo que não há só um tipo de paz, pois há a paz que se aplica aos conflitos da natureza e suas corrupções e há a paz que se aplica aos conflitos humanos. Dessa forma, vamos delimitar nossa investigação para a paz entre os humanos.

VI

Sensato - Ótimo. Vamos refazer então a questão fundamental: o que é a paz entre os seres humanos?

Inquieto - Duas observações se põem de início para que possamos avançar: primeiro, a paz entre os humanos não pode ser a mera ausência de conflitos, aparentes ou não e, segundo, não pode ser nem ainda a simples ausência de conflitos verdadeiros.

Sensato - Ok. Como será então?

Inquieto - Devemos proceder à catalogação e classificação dos próprios conflitos humanos, visto que somente alguns destes podem ensejar a ausência da paz.

Sensato – Por que meios é possível essa classificação?

Inquieto - Podemos observar que os conflitos humanos se estendem desde questões triviais até questões mais complexas. Por exemplo, intrigas domésticas e discussões entre nações; formas de se pentear um cabelo e divergências sobre a origem do cosmos etc. Observa-se ademais que em qualquer destes conflitos, só não se vê a paz onde a violência está presente. Podemos assim classificar os conflitos humanos em violentos e não violentos. Sendo a violência entendida como a quebra de um direito relativo à harmonia na sociedade.

Sensato - Certo. Mas, e no caso de um homicídio praticado por um policial enquanto abordava um sequestrador? Ou no caso de alguém que matou outro para se defender, ou teve de praticar violência para garantir a integridade de outrem? Houve violência nestas situações? Mas não foi em vista da paz social que ela fora praticada?

Inquieto - De fato, é assim. Logo, a simples presença de violência não serve para qualificar um conflito com vistas à definição do que seja a paz ou a sua ausência. Mas devemos então catalogar os tipos de violência, para vermos em quais tipos a ausência da paz surge. Como será isto?

Sensato - Vou iniciar desta vez. Conforme penso, a violência não ocorre só nas ocasiões em que há espancamentos, socos, disparos de arma de fogo etc. Mas em inúmeras situações pode haver a violência, como em discussões verbais, quando estas desbordam do foco da verdade e passam os argumentadores a ofender com palavras de baixo calão. Há violência presente na intimidação de uma pessoa por outra, mediante ameaças e chantagens de índole emocional ou física. Assim, seguindo uma indicação já dada nas ciências jurídicas, a violência pode ser verbal, psicológica ou física.

Inquieto - Diante disto, podemos afirmar que a paz entre os humanos é a ausência de conflitos humanos em que há violência verbal, psicológica e física. E o contrário, isto é, a ausência de paz entre os humanos ocorre somente quando há a presença de conflitos humanos em que há violência verbal, psicológica e física. Que achas?

Sensato - Falta acrescentar o fato de que não é toda a violência que enseja a ausência de paz, pois conforme vimos, as violências praticadas em revide a uma agressão ou por alguém que está em estado de necessidade ou ainda por quem exerce um direito assegurado pela lei, no caso do policial, restam plenamente justificadas, embora surjam somente no âmbito de conflitos.

Inquieto - É isso mesmo. Podemos definir assim: paz entre os humanos é a ausência de conflitos humanos em que há violência verbal, psicológica ou física, exceto quando justificadas?

Sensato - Creio que ainda falta um detalhe. Conforme vimos no início a paz é por natureza um sentimento ou sensação, sendo assim, ela é o sentimento consequente desse estado de coisas. Desse modo, eu diria que a paz entre os humanos é o sentimento ou sensação resultante de um estado de coisas em que não há conflitos humanos em que há violência verbal, psicológica ou física, exceto quando estas forem justificadas.

VII

Inquieto - Certo. Mas que foi isto amigo? Definimos a paz negativamente, ou seja, pela ausência de certas coisas, mas não dissemos o que ela é positivamente, ou seja, se a paz é a resultante de um estado de coisas, que coisas são estas?

Sensato - De fato observastes bem, mas acredito que esta tarefa deve ser mais simples, pois uma vez já encontradas as coisas que não estão junto da paz, segue que todo o restante haverá junto dela.

Inquieto - Seria assim, não fosse o caso de estarmos tentando definir alguma coisa, o que nunca pode se dar pelo caráter geral, mas sim indicando as distinções necessárias, do contrário todo estado de coisas seria paz. Podemos iniciar perguntando: a paz está em todos os estados de coisas em que estão ausentes aqueles elementos que lhe afastam? Ou, há algum estado de coisas onde só haja a paz?

Sensato - Penso que se a paz é resultante de um estado de coisas, então ela está presente em qualquer estado de coisas onde não haja as coisas que a afastam. Porque a paz é comum a tudo o que é bom, belo, justo e verdadeiro, de sorte que, a paz só pode ser entendida negativamente. Por ser intrínseca a tudo o que é positivo, só lhe notamos a ausência quando estão presentes os elementos negativos que a afastam. Ao contrário, só lhe vemos também a presença, na ausência daqueles.

VIII

Inquieto - Me dou por satisfeito neste ponto, mas há outra questão acerca da definição que encontramos para a paz. Vejo que a definimos como um sentimento resultante de um estado de coisas, contudo, fizemos isso em um plano extremamente objetivo. Vou esclarecer melhor com um exemplo: veja o caso de Jesus Cristo, que mesmo em meio a intensos conflitos e calamidades naturais, sempre esteve em paz consigo mesmo e com os outros. Isto me trouxe a seguinte indagação: essa paz interior, que Jesus dispunha, pode ser definida da mesma forma que a paz exterior resultante de um estado de coisas a que aludimos outrora?

Sensato - Muito bem lembrado, nobre amigo. Penso que sim, pois apesar das circunstâncias externas, a alma do Mestre Jesus, em si mesma, estava sem nenhum rastro de violência injustificada, e mesmo as violências justificadas, tampouco encontramos nele. Assim a paz interior é o estado da alma que não tem nenhum elemento que lhe cause violência emocional, verbal ou física, exceto a justificada, pois às vezes precisamos violentar a nossa alma para alcançarmos algumas coisas, no processo de resiliência por exemplo.

Inquieto - Entendo e então podemos observar que acontece o contrário também: pode haver um ambiente de perfeita paz em redor, sem nenhuma violência injustificada, mas ainda assim, é possível haver pessoas violentando-se a si mesmas, sem ter a paz de jeito nenhum. Como se explicaria esse fenômeno?

Sensato - Penso que sendo a paz um sentimento ou sensação na alma, ela é captada de forma diferente por cada indivíduo segundo as suas próprias inclinações e experiências.

Inquieto - E a paz social? Como seria percebida socialmente?

Sensato – Mesmo social, a paz só pode ser sentida pela individualidade. O indivíduo sente que há paz na sua sociedade porque não observa os elementos negativos que a afastam. Mas em si mesmo, ele pode conceber que não está em paz, pois em sua alma há elementos que lhe trazem a violência interna, não obstante a paz que reina no meio externo e social.

Inquieto - Ainda não percebeste o laço onde entramos, não é? Veja que pessoas expostas aos mesmos estados de coisas que podem resultar no sentimento de paz, não chegam a esse mesmo sentimento, mas chegam às vezes, até em sentimentos opostos: um achando que há a paz e outro achando que se está até em guerra. Se a paz é um sentimento ou sensação, segue-se que não haverá nenhum critério seguro pela qual poderíamos definir o que seja a paz, pois a cada um surgiria um critério diferente para compreender o que ela seja. Que fazemos neste caso?

Sensato - Devemos retornar ao princípio para vermos como viemos parar neste precipício. Contudo, antes não devemos dar voz ao precipício, para ver como se daria, se cada um ao seu bom talante definisse o que viesse a ser a paz?

Inquieto - Correto. Nada mais justo. Vamos ouvir seus argumentos.

Sensato - Você pode iniciar?

Inquieto - A seu servir. De início observo ser impossível que todos os indivíduos possam definir o que venha a ser a paz, ao menos no nível social. Creio que deve ser reservado às pessoas a faculdade de fazê-lo só para si próprias, ou seja, cada qual diz e sente o que é a paz para si, ou quando ele mesmo está em paz, mas, a definição de paz social, definitivamente, não pode ficar ao encargo dos indivíduos.

Sensato - Ficaria ao encargo de quem defini-la?

Inquieto - Do Estado, obviamente.

Sensato - E seria o Estado constituído de deuses infalíveis para definir o que viesse a ser a paz para todos? Ora, sendo o Estado constituído de pessoas, semelhantes aos seus pares, não estaria reservado a eles igualmente o direito de definir a paz somente para si mesmos? Como poderia o Estado definir a paz para os outros, e com base em quais critérios?

Inquieto - Parece ser justo o que inquiriste. O que sugere então?

Sensato - Que este precipício não nos levará a lugar algum, pois uma vez ausente dele a busca da verdade em si, nota-se que padece dos vícios comuns a todas as opiniões. Ora, onde há muitas opiniões contrárias com igual sugestão de verdadeiras, me parece inevitável que uma delas só prevaleça pela força e pela violência. A definição que o Estado colocará como sendo a definição correta da paz social, será na melhor das hipóteses, fruto da violência injustificada, portanto, contrária à própria essência da paz. Logo, a tarefa de definir o que seja a paz, deve ser de todos os que se proponham buscar com sinceridade a verdade das coisas, pois somente com este espírito é possível obtê-la por meios bons e justificáveis. Pois, tudo o que diga respeito a paz, seja a sua configuração, seja a sua definição, precisa surgir do que é bom, justo, belo e verdadeiro.

Inquieto - Perfeito isto. Então, como poderia ser buscada, de forma justa, essa definição de paz? Fomos nós mesmos felizes quando a empreendemos? Ou utilizamos de meios injustos para obtê-la?

Sensato - Acredito, amigo, que fomos felizes e até exemplificamos bem, como deve ser a busca pela definição da paz, assim como de qualquer outra coisa. Pois partimos com sinceridade na empreitada, e tomamos como definição primária e básica, aquilo que está assentado como consenso na maior parte das sociedades. Após isso, colocamos esse senso comum à prova e retiramos dele aquilo que lhe era equívoco, e lhe emprestamos características distintivas próprias, como convém aos conceitos claros e precisos. Por fim, estamos a justificar a sua própria busca, no que lhe damos o pleno acabamento que lhe é possível com os meios que dispomos. Com esse conceito em mente, podemos com segurança responder se há paz no Brasil, por exemplo.

Inquieto - Dou-me por satisfeito, ao menos neste momento, mas sei que um assunto como a paz não se esgota em uma definição, visto que esta é apenas o seu ponto de partida. Quanto nos faltará ainda saber acerca da paz? Saber as suas causas primeiras e últimas; saber como podemos alcançá-la em uma nação; como podemos cultivá-la em nós mesmos; esmiuçar melhor cada um dos tipos de conflitos encontrados e de paz correspondentes; compreender essa sensação da paz de que falaste; buscar entender o que seja a paz supra-humana, especialmente à luz da Revelação divina, e muitas outras coisas a estender-se em um horizonte sem fim.

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