Por Natan Costa Rodrigues
Em meio a um cenário de hostilidades
políticas, ânimos divididos e rumores de guerras, dois amigos dialogam sobre o
que é a paz.
I
Sensato – Amigo Inquieto, que bom encontraste. Tenho ouvido as últimas notícias
acerca de política, economia e guerras pelo mundo afora. Agora a pouco,
questionado acerca da paz no Brasil, ia entrar em uma calorosa discussão com um
conhecido colega, quando lembrei que não é conveniente aos aspirantes da real
sabedoria, o embebedar-se com as paixões presentes nas disputas de palavras.
Essas discussões só entorpecem o saber e ninguém pensa nunca nas coisas que está
dizendo. Sendo assim amigo, retirei-me e pus-me a pensar, sozinho, sobre o que
seria a paz desvinculada de qualquer situação em particular. Sei, no entanto,
que não basto a mim mesmo, nem ainda nos meus pensamentos. Lembrei, então, que
tenho você como amigo, alguém que olha para a mesma direção que eu. Que você tem
o espírito desapegado das paixões facciosas e tomou firmemente o lado da
retidão, da verdade e da justiça em tudo o que faz. Assim, desde logo, desejo
repartir contigo este fardo. Se quiseres tomá-lo, responde-me: O que é a paz?
Inquieto – Ótima
é essa pergunta e excelente o fardo que repartes comigo, tanto mais porque me
achastes digno dele. Reconheço que somente aos homens anelantes do saber
verdadeiro, interessam essas questões. O mundo está cheio de opiniões conforme
vedes, no entanto, o sábio entende que a verdade está acima de toda esta
multidão de palavras, acessível somente aos que com sinceridade se põem em
marcha na sua direção. Como te parece que devemos iniciar a nossa investigação?
Sensato – Inicialmente, parece claro que devemos ver a que classe de coisas pertence a paz. E do cotejo dos elementos, creio que a paz se trata de um sentimento ou sensação. Concordas com isto?
II
Inquieto - Parece evidente que a paz é um sentimento, mas isto só responde acerca da
sua natureza, não nos mostra a sua definição. Para iniciarmos a
investigação deste ponto, entretanto, mostra-se oportuno, desde logo colhermos uma
definição popular, uma espécie de consenso das múltiplas opiniões acerca da
matéria. Assim à questão: O que é a paz? Podemos defini-la, em sua acepção mais
básica e elementar, como a ausência de conflitos.
Sensato - Mas será que o caso de uma Ditadura instaurada em um país, na
qual se impede, ao longo de décadas ou séculos, qualquer forma de insurreição;
mantendo-se a população sobre forte controle, de forma a neutralizar qualquer
tipo de conflito ou discussão acerca do que está estabelecido, se poderia chamar
essa situação de um estado de paz?
Inquieto - Parece
evidente que não, pois sendo a paz essencialmente bondade, não poderia ser
equiparada a uma situação gravosa como essa, onde, de todo modo, subjaz uma
violência a assegurar a aparente tranquilidade.
Sensato - Essa violência que subjaz a esse fato, poderia ser definida como
um conflito?
Inquieto - Parece
que sim, pois embora não seja um conflito aparente, constitui um conflito
verdadeiro.
Sensato – Mas e se essa situação de Ditadura perdurar por muitos séculos,
sendo a única coisa que as gerações atuais dessa nação conhecem, de sorte que
já ninguém cogita de haver qualquer outra forma de liberdade ou de sociedade,
vivendo as pessoas, ademais, voluntariamente dessa forma, podemos concordar que
haveria paz nesse país?
Inquieto - Parece
que não, pois, a essência de qualquer convivência humana é a harmonia e a desarmonia
nas relações interpessoais, donde surgem inumeráveis conflitos. Sendo o ser
humano dotado de vontades, impossível de se pensar que nalgum tempo não
surgiria alguém pedindo explicações acerca do estado do país, e do porquê de
não poderem sequer questionar. Aí, forçosamente, haveria algum grau de
violência na resposta a afastar qualquer pretensão de paz. Além disso, o simples
fato de o governante saber que impõe coercitivamente seu poder a todos, muito
embora os outros ignorem isto, basta para mostrar o insustentável conflito e
violência que existem.
Sensato - Sendo assim, parece evidente, que somente há paz onde não houver
nenhum conflito, sendo certa a definição popular. Certo?
Inquieto - Me
parece errado. É preciso considerar que nem todo tipo de conflito gera a
ausência de paz. Por exemplo, uma discussão de ideias onde se busca encontrar a
verdade ou conhecimento das coisas. Embora carregada de elementos contrários,
não se poderia definir tais virtudes como ausência de paz, muito embora se
trate de um conflito de ideias.
III
Sensato - Desse modo, soa óbvio que para encontrarmos a definição de paz,
será preciso definir primeiro o que seja o conflito, e suas classificações,
para então voltarmos a tratar da paz?
Inquieto - Sim.
Inicialmente, vamos conceituar o conflito como a ausência de harmonia, o
que parece ser uma definição ampla o suficiente para tudo o mais que se vai
discutir.
Sensato - Como seria essa definição em termos concretos?
Inquieto - Vejamos que ela pode ser aplicada a qualquer contexto. Na
medicina, se vê a desarmonia na ausência de saúde (doença) que é devido a
introdução de algum corpo estranho, elemento ou degeneração no corpo. Na
música, as notas, se bem ajustadas produzem belas harmonias, mas a introdução
de alguma nota errada, poderá gerar um som feio (desarmonia). Assim, me parece
suceder em todas as artes.
Sensato - E nas relações humanas como se dá essa situação?
Inquieto - Entre
os homens, a desarmonia surge quando não há convergência de entendimento,
vontades, hábitos e interesses acerca de qualquer questão ou situação de fato.
Vejamos duas pessoas que moram juntas, mas possuem hábitos distintos ou dois
amigos que gostam de coisas diferentes. O casal que tem sonhos diferentes,
também se inclui aqui, assim como dois filósofos que discordam acerca da origem
do conhecimento humano.
Sensato - Tudo isso parece claro, então, como se daria uma classificação
dos conflitos, visto que nem todos esses podem gerar uma situação diferente da
paz, como a guerra, por exemplo?
Inquieto - Creio
que uma primeira classificação, seria diferenciar os conflitos naturais dos
conflitos humanos. Pois os primeiros devem ocorrer nas coisas, sem a
intervenção de vontades humanas, a exemplo da doença, do envelhecimento, os
cataclismas naturais, as desarmonias musicais etc. Já os conflitos humanos
decorreriam de uma vontade humana na sua produção, ou seja, ainda que ausente o
desejo de litigar contra o próximo, essa modalidade de conflitos, surgiria de
um ato de vontade ou vontades.
Sensato - Como se dariam os conflitos humanos?
Inquieto - Uma
doença, por exemplo, pode ser tanto um conflito natural quanto humano. Se for
decorrente de maus hábitos, não atribuíveis a vontade de ninguém em particular,
será um conflito interno do corpo, mas se a sua produção, for induzida por uma
pessoa, o conflito então se torna humano.
IV
Sensato - Me vejo assombrado diante desses argumentos. Primeiro por
visualizar que o conflito está em tudo: na falta de higiene, saneamento básico,
que desarmoniza o ambiente natural, nos lixões etc. Não seria o caso, desses
conflitos se encontrarem também no próprio movimento da matéria. Na passagem do
quente ao frio, do líquido ao gasoso, já que está presente em um maremoto, por
exemplo?
Inquieto - Pensaste
bem. De fato, Heráclito já pontificava isto que a guerra é pai de todos,
assim como tudo vem do fogo. Mas aí teríamos de incluir uma terceira
classificação aos conflitos: as mutações próprias da matéria, pois este difere
das corrupções que os corpos sofrem.
Sensato - Que te parece, na própria mutação da matéria, o homem não teria
a capacidade de interferir, e assim produzir conflitos humanos?
Inquieto – É
correto.
Sensato - Sendo assim, o que em essência qualificaria os conflitos
humanos, se até os demais conflitos ele pode converter?
Inquieto - Acredito,
que o conflito humano, para além de seu sentido estrito, é o conflito material
ou natural, qualificado por uma vontade humana na sua produção, bem como pelas
ações e reações humanas consequentes. É que, o ser humano pode, a seu modo,
interferir em qualquer coisa neste mundo, conferindo-lhe um certo propósito
humano.
Sensato - Certo. Há alguma outra classe de conflitos que devemos
acrescentar a estas três?
Inquieto - Penso
que sim. Os conflitos supra-humanos, que transcendem o nosso universo próprio. Culturas
antiguíssimas o têm mostrado: os egípcios e gregos, deles falam nas suas
teogonias; os demais povos mesopotâmios também; entre os hebreus, temos Satanás
em conflito contra Deus; em outras culturas tais fatos se repetem. Me parece
não ser de bom alvitre ignorá-los, pois se forem reais, devem ter algum impacto
em nosso próprio mundo.
V
Sensato - De posse dessas quatro classes de conflitos (mutações da
matéria, corrupções naturais, humanos e supra-humanos), onde exatamente se
encontraria a paz e a sua ausência?
Inquieto - Penso
que em todos. Se dissemos que a paz é a ausência de conflitos, então, restará
evidente que onde não houver conflito, ali haverá paz, tomada como sinônimo da
harmonia.
Sensato - Mas tomando como base o caso hipotético da ditadura em um país,
notamos que, às vezes, a ausência de conflito, e por conseguinte a harmonia, é
só aparente. Que diremos então que é a paz?
Inquieto - Podemos
concluir que a paz é a ausência de conflitos verdadeiros, o que excluiria os
aparentes. Mas, espera. Lembro-me que já tínhamos ressalvados os meros
conflitos de palavras como ensejadores de um conflito apto a afastar a paz.
Sendo assim, como deveremos proceder?
Sensato - Entendo a tua aflição. Vamos voltar ao ponto anterior e refazer
o caminho a fim de vermos onde caímos. Primeiro dissemos que levantaríamos as
espécies de conflito, e então buscaríamos a paz. Dissemos que há quatro tipos
de conflitos: o decorrente das mutações da matéria, os advindos da corrupção ou
fraqueza da natureza, os produzidos pelos humanos e os supra-humanos,
capitaneados pelos deuses. Vimos ainda que, somente os conflitos frutos da
vontade humana, poderiam ensejar a ausência de paz. Mas aí concluímos que a paz
está em tudo, o que abarca os conflitos humanos e não-humanos. Não seria o
caso, então, de classificarmos a própria paz? Ou seja, há um só tipo de paz?
Inquieto - Perfeito.
Diante das conclusões antecedentes, parece mesmo que não há só um tipo de paz,
pois há a paz que se aplica aos conflitos da natureza e suas corrupções e há a
paz que se aplica aos conflitos humanos. Dessa forma, vamos delimitar nossa
investigação para a paz entre os humanos.
VI
Sensato - Ótimo. Vamos refazer então a questão fundamental: o que é a paz entre
os seres humanos?
Inquieto - Duas
observações se põem de início para que possamos avançar: primeiro, a paz entre
os humanos não pode ser a mera ausência de conflitos, aparentes ou não e,
segundo, não pode ser nem ainda a simples ausência de conflitos verdadeiros.
Sensato - Ok. Como será então?
Inquieto - Devemos
proceder à catalogação e classificação dos próprios conflitos humanos, visto
que somente alguns destes podem ensejar a ausência da paz.
Sensato – Por que meios é possível essa classificação?
Inquieto - Podemos
observar que os conflitos humanos se estendem desde questões triviais até
questões mais complexas. Por exemplo, intrigas domésticas e discussões entre
nações; formas de se pentear um cabelo e divergências sobre a origem do cosmos
etc. Observa-se ademais que em qualquer destes conflitos, só não se vê a paz
onde a violência está presente. Podemos assim classificar os conflitos humanos
em violentos e não violentos. Sendo a violência entendida como a quebra de um
direito relativo à harmonia na sociedade.
Sensato - Certo. Mas, e no caso de um homicídio praticado por um policial
enquanto abordava um sequestrador? Ou no caso de alguém que matou outro para se
defender, ou teve de praticar violência para garantir a integridade de outrem? Houve
violência nestas situações? Mas não foi em vista da paz social que ela fora
praticada?
Inquieto - De
fato, é assim. Logo, a simples presença de violência não serve para qualificar
um conflito com vistas à definição do que seja a paz ou a sua ausência. Mas
devemos então catalogar os tipos de violência, para vermos em quais tipos a
ausência da paz surge. Como será isto?
Sensato - Vou iniciar desta vez. Conforme penso, a violência não ocorre só
nas ocasiões em que há espancamentos, socos, disparos de arma de fogo etc. Mas
em inúmeras situações pode haver a violência, como em discussões verbais,
quando estas desbordam do foco da verdade e passam os argumentadores a ofender
com palavras de baixo calão. Há violência presente na intimidação de uma pessoa
por outra, mediante ameaças e chantagens de índole emocional ou física. Assim,
seguindo uma indicação já dada nas ciências jurídicas, a violência pode ser
verbal, psicológica ou física.
Inquieto - Diante
disto, podemos afirmar que a paz entre os humanos é a ausência de conflitos
humanos em que há violência verbal, psicológica e física. E o contrário,
isto é, a ausência de paz entre os humanos ocorre somente quando há a presença
de conflitos humanos em que há violência verbal, psicológica e física. Que
achas?
Sensato - Falta acrescentar o fato de que não é toda a violência que
enseja a ausência de paz, pois conforme vimos, as violências praticadas em
revide a uma agressão ou por alguém que está em estado de necessidade ou ainda
por quem exerce um direito assegurado pela lei, no caso do policial, restam
plenamente justificadas, embora surjam somente no âmbito de conflitos.
Inquieto - É
isso mesmo. Podemos definir assim: paz entre os humanos é a ausência de
conflitos humanos em que há violência verbal, psicológica ou física, exceto
quando justificadas?
Sensato - Creio
que ainda falta um detalhe. Conforme vimos no início a paz é por natureza um
sentimento ou sensação, sendo assim, ela é o sentimento consequente desse
estado de coisas. Desse modo, eu diria que a paz entre os humanos é o
sentimento ou sensação resultante de um estado de coisas em que não há
conflitos humanos em que há violência verbal, psicológica ou física, exceto
quando estas forem justificadas.
VII
Inquieto - Certo.
Mas que foi isto amigo? Definimos a paz negativamente, ou seja, pela ausência
de certas coisas, mas não dissemos o que ela é positivamente, ou seja, se a paz
é a resultante de um estado de coisas, que coisas são estas?
Sensato - De fato observastes bem, mas acredito que esta tarefa deve ser
mais simples, pois uma vez já encontradas as coisas que não estão junto da paz,
segue que todo o restante haverá junto dela.
Inquieto - Seria
assim, não fosse o caso de estarmos tentando definir alguma coisa, o que nunca
pode se dar pelo caráter geral, mas sim indicando as distinções necessárias, do
contrário todo estado de coisas seria paz. Podemos iniciar perguntando: a paz
está em todos os estados de coisas em que estão ausentes aqueles elementos que
lhe afastam? Ou, há algum estado de coisas onde só haja a paz?
Sensato - Penso
que se a paz é resultante de um estado de coisas, então ela está presente em qualquer
estado de coisas onde não haja as coisas que a afastam. Porque a paz é comum a
tudo o que é bom, belo, justo e verdadeiro, de sorte que, a paz só pode ser
entendida negativamente. Por ser intrínseca a tudo o que é positivo, só lhe
notamos a ausência quando estão presentes os elementos negativos que a afastam.
Ao contrário, só lhe vemos também a presença, na ausência daqueles.
VIII
Inquieto - Me
dou por satisfeito neste ponto, mas há outra questão acerca da definição que
encontramos para a paz. Vejo que a definimos como um sentimento resultante de
um estado de coisas, contudo, fizemos isso em um plano extremamente objetivo.
Vou esclarecer melhor com um exemplo: veja o caso de Jesus Cristo, que mesmo em
meio a intensos conflitos e calamidades naturais, sempre esteve em paz consigo
mesmo e com os outros. Isto me trouxe a seguinte indagação: essa paz interior,
que Jesus dispunha, pode ser definida da mesma forma que a paz exterior
resultante de um estado de coisas a que aludimos outrora?
Sensato - Muito bem lembrado, nobre amigo. Penso que sim, pois apesar das
circunstâncias externas, a alma do Mestre Jesus, em si mesma, estava sem nenhum
rastro de violência injustificada, e mesmo as violências justificadas, tampouco
encontramos nele. Assim a paz interior é o estado da alma que não tem nenhum
elemento que lhe cause violência emocional, verbal ou física, exceto a
justificada, pois às vezes precisamos violentar a nossa alma para
alcançarmos algumas coisas, no processo de resiliência por exemplo.
Inquieto - Entendo
e então podemos observar que acontece o contrário também: pode haver um
ambiente de perfeita paz em redor, sem nenhuma violência injustificada, mas
ainda assim, é possível haver pessoas violentando-se a si mesmas, sem ter a paz
de jeito nenhum. Como se explicaria esse fenômeno?
Sensato - Penso que sendo a paz um sentimento ou sensação na alma, ela é
captada de forma diferente por cada indivíduo segundo as suas próprias
inclinações e experiências.
Inquieto - E
a paz social? Como seria percebida socialmente?
Sensato – Mesmo social, a paz só pode ser sentida pela individualidade. O
indivíduo sente que há paz na sua sociedade porque não observa os elementos
negativos que a afastam. Mas em si mesmo, ele pode conceber que não está em
paz, pois em sua alma há elementos que lhe trazem a violência interna, não
obstante a paz que reina no meio externo e social.
Inquieto - Ainda
não percebeste o laço onde entramos, não é? Veja que pessoas expostas aos
mesmos estados de coisas que podem resultar no sentimento de paz, não chegam a
esse mesmo sentimento, mas chegam às vezes, até em sentimentos opostos: um
achando que há a paz e outro achando que se está até em guerra. Se a paz é um
sentimento ou sensação, segue-se que não haverá nenhum critério seguro pela
qual poderíamos definir o que seja a paz, pois a cada um surgiria um critério
diferente para compreender o que ela seja. Que fazemos neste caso?
Sensato - Devemos retornar ao princípio para vermos como viemos parar
neste precipício. Contudo, antes não devemos dar voz ao precipício, para ver
como se daria, se cada um ao seu bom talante definisse o que viesse a ser a
paz?
Inquieto - Correto.
Nada mais justo. Vamos ouvir seus argumentos.
Sensato - Você pode iniciar?
Inquieto - A
seu servir. De início observo ser impossível que todos os indivíduos possam
definir o que venha a ser a paz, ao menos no nível social. Creio que deve ser
reservado às pessoas a faculdade de fazê-lo só para si próprias, ou seja, cada
qual diz e sente o que é a paz para si, ou quando ele mesmo está em paz, mas, a
definição de paz social, definitivamente, não pode ficar ao encargo dos
indivíduos.
Sensato - Ficaria ao encargo de quem defini-la?
Inquieto - Do
Estado, obviamente.
Sensato - E seria o Estado constituído de deuses infalíveis para definir o
que viesse a ser a paz para todos? Ora, sendo o Estado constituído de pessoas,
semelhantes aos seus pares, não estaria reservado a eles igualmente o direito
de definir a paz somente para si mesmos? Como poderia o Estado definir a paz
para os outros, e com base em quais critérios?
Inquieto - Parece
ser justo o que inquiriste. O que sugere então?
Sensato - Que este precipício não nos levará a lugar algum, pois uma vez ausente
dele a busca da verdade em si, nota-se que padece dos vícios comuns a todas as
opiniões. Ora, onde há muitas opiniões contrárias com igual sugestão de
verdadeiras, me parece inevitável que uma delas só prevaleça pela força e pela
violência. A definição que o Estado colocará como sendo a definição correta da
paz social, será na melhor das hipóteses, fruto da violência injustificada,
portanto, contrária à própria essência da paz. Logo, a tarefa de definir o que
seja a paz, deve ser de todos os que se proponham buscar com sinceridade a
verdade das coisas, pois somente com este espírito é possível obtê-la por meios
bons e justificáveis. Pois, tudo o que diga respeito a paz, seja a sua
configuração, seja a sua definição, precisa surgir do que é bom, justo, belo e
verdadeiro.
Inquieto - Perfeito
isto. Então, como poderia ser buscada, de forma justa, essa definição de paz?
Fomos nós mesmos felizes quando a empreendemos? Ou utilizamos de meios injustos
para obtê-la?
Sensato - Acredito, amigo, que fomos felizes e até exemplificamos bem,
como deve ser a busca pela definição da paz, assim como de qualquer outra coisa.
Pois partimos com sinceridade na empreitada, e tomamos como definição primária
e básica, aquilo que está assentado como consenso na maior parte das
sociedades. Após isso, colocamos esse senso comum à prova e retiramos dele
aquilo que lhe era equívoco, e lhe emprestamos características distintivas
próprias, como convém aos conceitos claros e precisos. Por fim, estamos a
justificar a sua própria busca, no que lhe damos o pleno acabamento que lhe é
possível com os meios que dispomos. Com esse conceito em mente, podemos com
segurança responder se há paz no Brasil, por exemplo.
Inquieto - Dou-me
por satisfeito, ao menos neste momento, mas sei que um assunto como a paz não
se esgota em uma definição, visto que esta é apenas o seu ponto de partida. Quanto
nos faltará ainda saber acerca da paz? Saber as suas causas primeiras e
últimas; saber como podemos alcançá-la em uma nação; como podemos cultivá-la em
nós mesmos; esmiuçar melhor cada um dos tipos de conflitos encontrados e de paz
correspondentes; compreender essa sensação da paz de que falaste; buscar
entender o que seja a paz supra-humana, especialmente à luz da Revelação divina,
e muitas outras coisas a estender-se em um horizonte sem fim.
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