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A Possibilidade da Filosofia Cristã

                                                                                       Por Natan Costa Rodrigues


Malgrado, passado muitos séculos, as polêmicas existentes entre Fé e Ciência, Conhecimento Religioso e Conhecimento Científico, Doutrina Bíblica e Filosofia ainda perduram. Inúmeros são os debates. Estes sempre tangenciam uma suposta incompatibilidade entre uma e outra.

Mesmo entre os evangélicos protestantes, predomina em grande parte uma visão hostil à Filosofia, como se ela fosse a parteira dos males heréticos que assombram, volta e meia, o Cristianismo.

No melhor cenário de comunhão entre as instâncias em pauta, geralmente predomina uma visão instrumental da Filosofia. Norman Geisler já ensinava em seu Introdução à Filosofia: uma perspectiva Cristã, que “O cristão tem interesse específico pela filosofia e a responsabilidade de estudá-la. A filosofia será tanto um desafio quanto uma contribuição para a compreensão da sua fé”[1].

Ocorre que essa visão expõe uma fratura entre a vida cristã e a vida filosófica. A Filosofia seria, na melhor das hipóteses, um conjunto de técnicas sofisticadas para se pensar, argumentar e compreender o cosmos. Convertida em uma obrigação do crente, a Filosofia seria, quando muito, a sua caixa de ferramentas, mas não parte integrante do seu ser.

Isto não poderia, sem configurar uma grave pobreza espiritual, ser denominado de Filosofia Cristã, segundo penso. Mas no caso, o que se têm, é mera perspectiva cristã da Filosofia, conforme Geisler expõe. O cristão que a encara dessa forma, é em verdade, um profissional no sentido técnico do termo, mas não um filósofo estritamente.

Desde a Renascença, passando pela Reforma Protestante e o Iluminismo, o mundo viu o abismo entre a Fé e a Razão aumentar exponencialmente. A prevalência de uma visão mecanicista da natureza e o advento do Método Científico, em especial com o desenvolvimento Positivista que ele recebeu, contribuíram para que grande parte da Filosofia, incluindo aí a Metafísica, ficassem restritas a uma esfera acientífica ou pré-científica, e no âmbito do Positivismo Lógico, sequer passível de verificação.

Esse abismo implicou, entre outras coisas, na secularização do pensamento, caracterizado em termos práticos, por um profundo materialismo existencial. As doutrinas comunistas e socialistas trataram de se instaurar, concomitantemente, como a religião civil popular, desencadeando uma cultura, no dizer de Olavo de Carvalho, oposta à visão Cristã e à reflexão filosófica. A Filosofia profissional transmudou-se, então, na justificação racional desse abismo e em uma propaganda escancarada das ideologias predominantes.

Nesse transcurso histórico, perdeu-se completamente a noção clássica da Filosofia como busca do verdadeiro conhecimento e amor à sabedoria, conceitos que, em essência, não contradizem nenhum postulado cristão. Com efeito, o filósofo clássico era apenas um escravo da verdade, jungido a ela pela força das evidências que se lhe apresentavam ao espírito.

Foi C. S. Lewis, especialmente em Cristianismo Puro e Simples, alguém que acentuou este aspecto: o cristão, filósofo ou não, não é senhor das evidências, dos fatos ou da verdade, mas tão somente o espectador que se espanta perante a sua descoberta. A sua grandeza está em buscar a sabedoria, e no amor que nutre pelo verdadeiro conhecimento.

Quando um suposto filósofo fabrica “evidências” para apoiar o seu ponto de vista, ao invés de ser levado pelas que ele encontra, se torna um perversor da Filosofia, um charlatão. São estes charlatães que existem por aí, que desprezam a verdadeira Filosofia e fabricam o seu próprio conhecimento. Eles não descobrem a verdade, mas a criam para si mesmos.

Este espírito pervertido e desonesto é exatamente o contrário da autêntica Filosofia. Esta focaliza a verdade, renunciando aos seus preconceitos internos e externos. Inclina-se para as evidências que surgem ao espírito e as segue até as últimas conclusões, que são as consequências inarredáveis, porque amparadas na coerência interna que a verdade possui.

Essa inclinação e esse amor pelo saber não são externos ao filósofo, como na visão instrumental da Filosofia, mas sim fazem parte da constituição da sua alma e do seu intelecto: ele vive para amar a sabedoria e descobrir a verdade das coisas. O verdadeiro sábio não aceita nada menos que a verdade. E quando ele está diante dela, realiza a sua vocação e aquiesce, obedecendo-a.

Ora, vista desde esse ponto, a Filosofia só pode existir verdadeiramente, seja como possibilidade, seja como substância, no seio do Cristianismo, onde se encontra e se perfaz a plenitude de toda verdade. O sábio, efetivo, não desprezará a riqueza de conhecimentos e sabedoria que há em Cristo.

Portanto, “amar a sabedoria” e “amar a Jesus Cristo”, são sinônimos. Buscar a sabedoria, é buscar a Cristo, a Sabedoria Perfeita e Divina.




[1] Geisler, Norman L. Paul D. Feinberg. Introdução à filosofia: uma perspectiva cristã. Tradução de Gordon Chown. — 3. ed. rev. — São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 22.

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